domingo, 2 de fevereiro de 2020

4546) Os contos de Guimarães Rosa (2.2.2020)




Guimarães Rosa estreou com Sagarana (1946), um volume de contos longos, ou noveletas, um tipo de narrativa onde ele parecia sentir-se totalmente à vontade. Nesse formato, ele não se limitava a contar a estória principal. Divertia-se em incrustar pequenos episódios que não tinham nada a ver com o enredo em si mas tinham tudo a ver com a Estória maior sendo contada. Inseria seus impagáveis personagens secundários, aqueles que surgem, brilham por uma ou duas páginas e desaparecem para sempre...

Ele começou assim, como um escritor de peripécias largas, e de arcos narrativos amplos que se estendiam por dezenas de páginas.

Seu segundo livro, Corpo de Baile (1956), ampliou essa tendência.

Só para comparar: a quarta edição de Sagarana tem nove contos em 365 páginas, o que dá uma média de 40 páginas por estória. 

A segunda edição de Corpo de Baile, de 1958 (a única em que todos os sete contos estão reunidos num volume só) tem 515 páginas, o que dá uma média de 73 páginas por conto.


O autor estava estendendo-se cada vez mais, como prova o tijolaço que foi o romance Grande Sertão: Veredas (1956), uma única narrativa em 574 páginas (na segunda edição, a que possuo).

Depois disso, começou a encolher: seu livro seguinte, Primeiras Estórias (1962), tem 21 estórias em 176 páginas, média de oito páginas por conto.

E seu livro final (excluindo os póstumos), Tutaméia (1967) tem 44 textos (40 contos e 4 prefácios) distribuídos por 192 páginas, numa média de quatro páginas por texto.

É um movimento bastante nítido de narrativas que começam com grande extensão, vão se ampliando... E depois recuam, pressionadas pelas marés da vida, reduzem-se e se concentram em contos compactos, concentradíssimos, que alguns críticos mais impacientes consideram quase ilegíveis.

Os dois últimos volumes de contos que Rosa publicou em vida têm uma origem completamente diversas das de Sagarana e Corpo de Baile, histórias espichadas pelo autor ao seu bel-fazer, compondo preguiçosamente com caneta e caderno.

Os contos de Primeiras Estórias e de Tutaméia tiveram, praticamente todos, uma primeira edição em periódicos, e foram revisados em seguida para a publicação em livro. Isso sem dúvida contribuiu para que os textos de cada volume tivessem entre si aproximadamente a mesma extensão, visto que apareciam em páginas com espaço predeterminado. Isso é bem mais visível em Tutaméia.


De acordo com a bibliografia organizada por Plínio Doyle para o precioso volume Em Memória de João Guimarães Rosa (José Olympio, 1968), os vinte e um contos de Primeiras Estórias foram selecionados, em sua maioria, dentre 34 textos publicados pelo autor, semanalmente, no jornal O Globo, entre 7 de janeiro de 1961 e 26 de agosto do mesmo ano.


Ali saíram, por exemplo, alguns dos contos mais importantes daquele livro, como “Soroco, sua Mãe, sua Filha” (18-3-1961), “A Terceira Margem do Rio” (15-4-1961), “Um Moço Muito Branco” (29-7-1961) e assim por diante. Dos textos não selecionados para Primeiras Estórias, vários acabaram sendo recolhidos no volume póstumo Ave, Palavra (1970; 2ª. edição, 1978), organizado por Paulo Rónai.

Algo parecido aconteceu com os textos que foram reunidos anos depois em Tutaméia. Rosa colaborou, entre maio de 1965 e julho de 1967, no semanário médico Pulso, editado pelo Laboratórios de Sidney Ross, no Rio de Janeiro, sob a direção do Dr. Roberto de Souza Coelho. Eram colunas quinzenais, porque ele, ao que parece, se revezava com Carlos Drummond: o texto inicial citado por Plínio Doyle nesse segmento intitula-se “Guimarães Rosa em PULSO, revezando com Drummond” (15.5.1965).

Esse obscuro semanário trouxe a público as primeiras versões de boa parte do conteúdo de Tutaméia.

Um levantamento cuidadoso da história editorial destes textos está no texto (disponível na web) “Tutaméia, a Trajetória da Escrita”, de Sandra Paro, da PUC-GO.



Tutaméia surgiu, portanto, de um compromisso profissional de colaboração na imprensa, num espaço provavelmente limitado, que fez com que os contos acabassem tendo mais ou menos a mesma extensão. Alguns dos textos de Tutaméia são episódios breves, cuja ação interna dura apenas algumas horas, ou até minutos; outros são narrativas de uma vida inteira. Tudo comprimido no mesmo espaço que, naquela década, era provavelmente medido nas tradicionais laudas de 2.100 toques (30 linhas de 70 toques cada).

Por um lado, isto certamente reflete a vida mais atarefada do Guimarães Rosa pós-1956, envolvido com entrevistas, supervisão de traduções e de reedições, compromissos literários – para não falar nas suas atribuições como diplomata, às quais sempre se dedicou com o mesmo zelo que aplicava ao trabalho literário.

Mostra também a maleabilidade do escritor, que despontou para o sucesso com contos de 40 páginas e duas décadas depois não se recusava a atuar dentro da camisa-de-força das quatro páginas. O que levou os textos deste derradeiro volume a um certo preciosismo verbal (ou “maneirismo”, como admitia Ariano Suassuna, seu amigo e grande admirador).









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