1
... e quando o fim
acopla-se ao começo,
e a serpente abocanha a
própria cauda,
e o escritor, na
derradeira lauda,
põe “Capítulo 1” no
cabeçalho,
o riverão retoma o seu atalho,
riocorrente em busca,
ruminando
rumo... ao futuro? Ao
Sempre? Ao Quase-quando?
Não sei. É mais um ano que
se encerra,
mais uma volta da precária
Terra
em torno deste Sol que nos
bronzeia.
2
Quem dera o Sol fosse uma Lua
cheia
de luz e enlevo, brisa e maresia...
Quem dera a vida fosse
essa poesia
que nada prova, e tudo
justifica!
Um poema revela, e não
explica;
a canção é o que faz, mais
que o que diz.
Uma canção nos salva de um
país;
só nos resta este bálsamo,
este unguento;
isso que chamam de
“pertencimento”
(e nunca vi na
enciclopédia Barsa...).
3
Em cada alô, um vírus se
disfarça.
Em cada adeus, o som da
guilhotina.
Não é de hoje... a quadra
natalina
parece um longo Dia de
Finados
e a nostalgia dos
antepassados
nos faz franzir o cenho
ante o futuro...
Mas este vinho é muito bom, eu juro.
E nada é tão real quanto
os sentidos.
Quem quiser que lamente os
tempos idos:
eu brindo a quem se foi, mas vivo o instante.
4
A vida vai de minerol infante
(dizia Rosa, em sua
“Tutaméia”)
e sempre foi assim, tosca,
plebéia,
negociada em trancos e
barrancos;
e a gente rala,
sustentando os Bancos
(o Nosferatu da economia
que não pode sair à luz do
dia
pra não ganhar a roda, o
pelourinho)
e se o que sobra nos
custeia um vinho...
como negar que ainda estou
no lucro?
5
Pois seja o Tempo esse
cavalo xucro
corcoveando no curral do
Agora,
tentando me atirar, longe,
lá fora,
nos além-cercas da
Eternidade...
Eu me agarro na sela com
vontade
de mais solstícios e mais
equinócios,
e digo ao Tempo assim:
“Sejamos sócios!
Se me poupares, te darei
bom uso!”
E o Tempo gira como gira
um fuso.
E a resposta me dá: “Outro
dezembro.”
6
Sei que tudo será tal como
lembro.
Ou não? Qual a hipótese
pior?
As lenga-lengas que direi
de cor
ou o salto no susto, no
imprevisto?
É no Natal que o mundo passa Cristo
no cobre, e deixa dez para o garçom.
Foi este o mundo que me
deu o tom,
é essa a bolsa a que
forneço o dízimo,
e ninguém venha com lições
de abismo:
estou cavando no fundo do
poço.
7
Mas pra que tanta briga e
alvoroço,
tumulto de emoções
contraditórias,
esperanças, humilhações,
vanglórias,
a nefanda “cantiga da
perua”...
Olha o mundo passando.
Olha essa rua
a mesma que cruzaste de
outras vezes;
cada rodada de mais doze
meses
te traz de volta ao velho
sempre novo,
este país de pólvora e de
povo
onde a cada Natal aumenta
o preço...
Surpreendeu-me o seu domínio das técnicas poéticas, da métrica e da rima, hoje tidas como ultrapassadas. Reparei na rima em "eço" no primeiro e no último verso. Recentemente escrevi um longo poema (300 versos) sobre classicismo e modernismo. Está neste link do site Recanto das Letras.
ResponderExcluirhttps://www.recantodasletras.com.br/poesias/6787043
Dias atrás vi todas as matérias deste seu excelente blog, pois estou coletando na net textos bestialógicos, nonsense, surrealistas, etc. Coloquei-o nos meus Favoritos.
Um abraço fraterno, Feliz Natal e um excelente Ano Novo.