quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

4533) Minhas canções: "Sendo Amor" (18.12.2019)




(Sinedei Moura)

Tenho postado comentários sobre minhas canções gravadas, mais ou menos por ordem cronológica. Ocorre aqui um fato curioso: uma das minhas primeiras canções em parceria foi feita em 1978, foi cantada milhares de vezes em palcos e em mesas de bar, mas só foi gravada mais de vinte anos depois, quando o meu parceiro, Sinédei Moura (que não é cantor profissional, é professor universitário), gravou seu primeiro CD, Cena de Perigo (2002).

Eu e Sinédei (o nome dele não tem acento, mas a gente usa, para marcar a pronúncia, que muita gente confunde) passamos em 1973 no vestibular da FACE (Faculdade de Ciências Econômicas) da Universidade Federal da Paraíba, Campus II, em Campina Grande. Ele entrou para Economia e eu para Ciências Sociais, com meu plano meio utópico de estudar Antropologia Urbana (o que venho fazendo por conta própria desde então). 

Ele vinha de Fortaleza, e logo passou a fazer parte da turma que se reunia na “casa de Son”, dos irmãos Jakson e Marcos Agra. Com Son, que era um letrista transbordante, compôs dezenas de canções; quando me mudei para a Bahia, mandei-lhe uma letra, a de “Sendo amor”, que acabou se tornando a minha primeira música feita propriamente em parceria.

Eu tenho facilidade, talvez excessiva, para escrever letras com estrofes fechadas e rimadas, no estilo de Bob Dylan ou dos cantadores de viola. Algumas letras minhas que as pessoas acham quilométricas, e pensam que exigiram semanas de trabalho, foram rabiscadas ao longo de uma única tarde. Mas para fazer letras mais elaboradas (e num tom mais sentimental, mais introspectivo) eu nunca tive facilidade.

Esta canção surgiu numa época em que a gente escutava “até furar o disco” o álbum Minas, que Milton Nascimento tinha lançado poucos anos antes, e eu botei no juízo que iria escrever uma letra de amor tão séria (longe do tom satírico, que me sai tão natural quanto a respiração) quanto a de “Beijo Partido” de Toninho Horta, uma música que me fascinava pela tortuosidade da melodia e pelo peso misterioso de versos como “hoje não passa de um vaso quebrado no peito” ou “onde estará a rainha que a lucidez escondeu?”.

É sempre interessante a gente reavaliar uma canção, anos depois, tentando localizar de onde veio o primeiro impulso de fazê-la. Para mim, pelo menos, nasce muitas vezes disso: de ouvir uma canção impactante feita por alguém e pensar, “preciso fazer uma coisa assim”, ou seja, uma coisa que produza um impacto parecido. Seja na levada, no ritmo, no estado de espírito, na textura poética.

Geralmente, o resultado final fica a anos-luz de distância, como se pode ver aqui. Minha letra (pra variar) não tem nada a ver com a canção de Toninho Horta: é uma letra parnasiana, simétrica, toda medidinha. E meio de paletó-e-gravata pro meu gosto; mas é valorizada pela melodia de Sinédei, e foi a primeira vez na vida em que eu tive essa revelação estranha de ver alguém extrair, de uma penca de versos escritos “em branco”, uma melodia que, em retrospecto, já parecia estar contida neles.

Eu e Sinédei fizemos outras canções depois, mas esta ficou como um marco. É uma música que cantei pouco em meus shows, porque minha “persona” no palco sempre foi meio galhofeira, uma mistura de Raul Seixas e Jorge Mautner, ou seja, de um cara que não está nem um pouco preocupado em “cantar bem”, mas em dar uma sacudida no juízo de quem escuta.

Sinédei também não é um grande cantor – seria, se a Universidade não tivesse atrapalhado. Mas é um músico aplicado e cheio de sutilezas. Aqui no YouTube tem uma gravação com banda desta nossa primeira música, e que foi a primeira minha em mais de um critério. E é a cara de um tempo.

  


Sendo Amor
(BT / Sinédei Moura)


Seja o que for, que seja tudo
e seja até o fim;
e sendo amor, saiba que eu não me iludo
e não se iluda quanto a mim.

Que novamente dancem
nas velhas cordas fatigadas
as canções desenterradas
de dentro de mim;
que novamente cansem
os corpos extraviados
nos seus trajetos cruzados
que fogem do fim.

Até que se faça o silêncio de aço
que sempre coloca de novo seu braço em meus ombros,
e depois, sem que eu nem sequer acredite,
outro olhar desgarrado apareça e habite
meus escombros.













2 comentários:

  1. Esta música, Bráulio, me acompanha desde a primeira vez que ouvi. Está sempre presente nos meus momentos violônicos solitáriose quando na companhia de amigos. "Até que se faça o silêncio de aço..." me levou a muitas lágrimas na minha vida com Denise! Hoje estou no"...outro olhar desgarrado apareça e habite meus escombros"". Mas, muito dificil!!! Abraço a você e a Sinedei que criaram está pérola e provocaram meus sentimentos no curso desta jornada!!!

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