("The Big Bang Theory")
A gente às vezes critica um determinado tipo de criação dizendo que ele é formulaico, ou seja, que ali não existe criatividade mesmo, não existe inspiração, existe apenas a aplicação de uma fórmula pré-existente.
Tudo bem, mas deixando isso de lado podemos considerar
também que a aplicação de uma fórmula também requer criatividade e inspiração.
É como cozinhar. Você vai preparar um “filé ao molho gorgonzola com recheio de
legumes flambados ao mel”. No livro tem a receita, ou seja, a fórmula. Basta
seguir ao pé da letra o que está escrito? Em princípio sim, mas para o prato
ficar bom é preciso que entre no preparo aquela coisa indefinível que a gente
chama “a mão da cozinheira” ou “o toque pessoal do chef”. Que é uma forma de
criação. Para além da fórmula.
Noah Charney é um escritor e roteirista norte-americano
morando na Eslovênia (em 2014), e que recebeu uma encomenda da TV da Croácia
para escrever um sitcom. Certamente naqueles países eles pensam que todo
francês sabe cozinhar, todo brasileiro toca cuíca e todo norte-americano sabe
escrever um sitcom.
“Sitcom” é a abreviatura de “situation comedy”, comédia
de situações, aquela série infindável de historietas envolvendo sempre o mesmo
grupo de personagens.
Noah sentou o pau a estudar os sitcoms disponíveis e
chegou a uma fórmula que, segundo ele, está presente em todos os sitcoms de
sucesso. Coloco aqui abaixo o link para o artigo onde ele esmiúça essas coisas
com mais detalhes.
Para ele, um episódio de sitcom, qualquer um, tem tipicamente
22 minutos, com um roteiro de 25-40 páginas.
São dois atos curtos, um no começo e outro no fim, e três
atos principais, divididos por dois breaks, com 3-5 cenas por ato, e ele os
nomeia assim:
1) A
Isca (“The Teaser”) (minutos 1-3)
2) O
Problema (“The Trouble”) (minutos 3-8)
3) A
Embrulhada (“The Muddle”) (minutos 8-13)
4) O
Triunfo/Fracasso (“The Triumph/Failure”) (minutos 13-18)
5) A
Resolução (“The Kicker”) (minutos 19-21)
A parte 1, a Isca, prepara o conflito enquanto faz uma
breve reapresentação dos personagens, porque embora o sitcom seja o império do
Nada Se Transforma, sempre há novos espectadores que precisam entender quem é
quem naquela história, e como se comporta cada um.
A parte 2, o Problema, introduz a aventura daquela noite.
Um sitcom bem sucedido é aquele que consegue, durante anos a fio, bolar
situações novas, problemas, aventuras, surpresas, que permitam aos personagens
exibir seus recursos de esperteza, além de experimentar novos conflitos, etc.
A parte 3, a Embrulhada, vem complicar ainda mais as
coisas, e aqui aparece a necessidade de uma sub-trama, uma história B que corre
em paralelo com a história A, para que a narrativa possa saltar de uma para
outra, o que dá mais dinamismo.
A parte 4, o Triunfo ou Fracasso, mostra como os
personagens conseguem ou não conseguem resolver o problema inicial da parte 2 e
as embrulhadas surgidas na parte 3.
A parte 5, a Despedida, é um encerramento, uma “coda”
musical. O clímax propriamente dito é na parte 4, mas uma narrativa deste tipo
não se encerra num clímax: é preciso que haja aquela cenazinha em que, depois
que tudo acabou, os personagens se reúnem novamente naquele clima de “ufa,
ainda bem”. O diálogo dá informações necessárias à amarração final das pontas
soltas, tudo termina com uma piada e imagem congelada, ou então com o prenúncio
de um novo episódio.
Isso funciona? Claro que funciona, desde desenhos
animados como Os Simpsons até
comédias urbanas como Friends ou Seinfeld.
Por mais que dramaturgos mais sofisticados condenem a
presença dessas fórmulas repetitivas, usá-las com eficiência nao é nada fácil,
justamente porque elas impõem sempre a mesma dinâmica na evolução da ação.
O espectador tem noção disso, e está satisfeito com isso.
Quem se “gruda” numa série é porque gosta da fórmula da série, sente-se confortável
com ela, quer “um pouco mais daquilo mesmo”. E quer novidades, é claro: novas
situações, novos problemas, novos ambientes, novo personagens secundários,
novas piadas...
Contanto que a fórmula se mantenha inalterada, e o
espectador sinta-se, a cada vez que começa um episódio, dentro de uma
zona-de-conforto dramatúrgica onde ele não sabe o que vai acontecer, mas sabe
que vai acontecer do mesmo jeito de sempre, um jeito que ele aprendeu a decodificar
sem muito esforço.