Estive na quarta-feira passada na 16ª. Jornada Nacional de
Literatura, em Passo Fundo (RS). Participei da mesa intitulada emblematicamente
“Centauro, Pedra, Rosa e Estrela”, em que quatro escritores analisaram a obra
de quatro mestres, respectivamente: Moacyr Scliar (por Cintia Moscovich),
Ariano Suassuna (por mim), Carlos Drummond (por Ricardo Silvestrin) e Clarice
Lispector (por Nádia Battella Gotlib). Como se não bastasse, a conversa foi
mediada por Augusto Massi, Alice Ruiz e Felipe Pena.
Muitas coisas interessantes foram ditas pelos colegas, e
podem ser vistas inclusive neste link da Jornada:
De minha parte, foi uma oportunidade para comentar alguns
aspectos da obra de Ariano que nem sempre ficam claros para os leitores que
leram apenas alguns dos seus textos, e viram uma ou outra aula-espetáculo.
Felipe Pena fez uma brincadeira com o meu currículo
enviado à Jornada, onde eu me apresentava, entre outros oxímoros, como
“escritor de literatura oral”. Era exatamente isso que Ariano Suassuna era, até
mais do que eu, aliás. Ariano fazia isso, é claro, no seu teatro: que outra
coisa é uma peça de teatro senão uma literatura que é impressa no meio do caminho,
mas nascendo do oral e destinando-se a ele?
Ele fazia um pouco na sua poesia, nas décimas, martelos e
galopes que escreveu, nos quais, por mais que o texto seja elaborado e hermético, o
impulso oral nunca desaparece de todo.
E fez, mais marcadamente ainda, no romance, ou na série
de romances de “Quaderna, o Decifrador”: o Romance
da Pedra do Reino, sua sequência O Rei Degolado: Ao Sol da Onça Caetana e
a terceira parte (publicada em jornal mas inédita em livro) O Rei Degolado: As Infâncias de Quaderna.
A voz narrativa dos romances de Ariano é uma voz oral, se
me permitem a redundância. Ariano confessou mais de uma vez que na sua idéia
original do romance o herói era para ser Sinésio Garcia-Barretto, o príncipe
desaparecido, e Quaderna um mero narrador.
Durante a escrita, porém, a voz de Quaderna foi ganhando
espaço, ajudada pelo fato de que ele, mais do que o idealizado e sebastianista
Sinésio, estava muito mais próximo do espírito moleque e galhofeiro e
iconoclasta e quixotesco do escritor. Quaderna engoliu o livro.
Perguntado por que abandonou o teatro depois que
enveredou pelo romance, Ariano chegou a dizer:
– Parei de escrever peças, mas não abandonei de todo.
Vejam que dois terços do Romance da Pedra
do Reino são o depoimento de Quaderna diante do Juiz Corregedor, então de
certa forma isso é uma imensa peça teatral centrada em dois atores.
“Literaturas da Voz”, como chamava Paul Zumthor se
referindo à poesia recitada e cantada, mas que pertence também ao domínio do
romance. O que é Grande Sertão: Veredas
senão um grande monólogo de um homem que só fala para outro que só escuta?
A inspiração oralizante e épica de Guimarães Rosa certamente
presidiu a criação do Romance da Pedra do
Reino. O livro de Rosa saiu em 1956, e logo em seguida Ariano recebeu uma
carta (o relato é dele próprio) de Hermilo Borba Filho, seu amigo e mestre, que nessa época estava em São Paulo, dizendo que o livro era algo assombroso, e que se havia alguém capaz de fazer
com o Sertão nordestino o que Rosa fez com o Sertão mineiro, seria Ariano.
Ariano aceitou o desafio e em 1958 iniciou seu romance.
Essas influências dos amigos, aliás, foram decisivas para
encaminhar sua obra escrita. Na década de 1950, Ariano tinha uma amizade muito
próxima com João Cabral de Melo Neto, sete anos mais velho do que ele. João era
agnóstico e angustiado. Ariano era católico e brincalhão.
Os dois participaram do Gráfico Amador, um grupo
recifense editor de livros artesanais que hoje são verdadeiras preciosidades.
Quando voltavam juntos à noite, a mãe de Cabral perguntava se o filho tinha
voltado com Ariano. “Como a senhora soube?” perguntava ele. E a mãe: “Porque ouvi
você dando gargalhadas na calçada, e você só ri quando está com Ariano”.
Ariano fez suas primeiras tentativas de peça teatral
querendo imitar Ibsen, o clássico dramaturgo norueguês. Foi Cabral quem lhe
disse:
– Deixe de ser besta, você é um cara naturalmente
engraçado. Tragédia não tem nada a ver com você. Seu teatro tem que ser
comédia.
Morte e Vida
Severina (1954) de Cabral e Auto da
Compadecida (1955) de Ariano são dois resultados dessa convivência e dessa
influência recíproca. E foi certamente Cabral que repassou para Ariano o nome
do seu herói, através de Quaderna,
título do livro de poemas publicado por ele em 1960, que Ariano pegou
emprestado e carregou de nuances estróficas, heráldicas, lúdicas e ibéricas.
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