quinta-feira, 10 de novembro de 2016

4178) Os subterrâneos do Nobel (10.11.2016)



Minha percepção da natureza do Prêmio Nobel foi contaminada para sempre pela leitura de um interessante livro de Irving Wallace, The Writing of One Novel (1968). Nele, Wallace rememora, vinte anos depois, todo o seu trabalho de vários anos no romance The Prize (1962), um thriller policial tendo o Nobel como pano de fundo, que foi filmado depois por Mark Robson, com Paul Newman no papel principal.


A idéia para o romance veio quando Wallace estava na Suécia, em 1946, fazendo reportagens para revistas dos EUA. Ocorreu-lhe entrevistar um figurão científico sueco que continuava a ser um defensor público de Hitler, mesmo após a derrota e a morte deste. No curso da entrevista, o dr. Sven Hedin revelou ser um dos jurados permanentes do Prêmio Nobel.  O jornalista sentiu cheiro de assunto, pressionou o professor, e extraiu alguns depoimentos tão francos que chegam perto da ingenuidade.  O dr. Hedin (hidrógrafo, cartógrafo, autor de livros populares de viagens pelo mundo), afirmou fazer parte dos comitês julgadores de Química, Física e Literatura.

Wallace perguntou-lhe por que alguns autores de grande estatura não tinham ganho o Prêmio Nobel. Hedin perguntou quais. Wallace sugeriu o nome de Máximo Górki, e ele disse: “Ah, ele morreu muito cedo. O nome dele era cogitado de vez em quando. Cedo ou tarde acabaria ganhando.” Wallace perguntou por H. G. Wells. A resposta: “Um autor menor, muito jornalístico”.  E Somerset Maugham, então no auge do sucesso?  “Muito popular, sem maior expressão”. E o que dizia o doutor sobre James Joyce? O dr. Hedin pareceu perplexo: “James o quê?”.

Segundo Irving Wallace, o prêmio ficava às vezes dependente do entusiasmo de um único jurado, como foi o caso de Hjalmar Gullberg, que traduziu para o sueco toda a poesia de Gabriela Mistral e lutou por ela até conseguir o prêmio. Ou no sentido oposto, como na campanha do dr. Carl David Wirsen contra Tolstoi, Ibsen e Strindberg, que ele detestava por diferentes razões.

No campo da ciência, Wallace confirma que no Prêmio Nobel de Física concedido a Einstein em 1921 a Academia faz menção específica à descoberta do efeito foto-elétrico, sem citar a Teoria da Relatividade, com receio de que esta viesse a ser desmentida. A impressão de espanto e de incerteza diante da nova cosmologia proposta era muito forte.

Tudo isto, é claro, são fofocas de 1946, que Wallace pode ter usado para dar verossimilhança ao seu livro de espionagem. Não importa. Qualquer prêmio concedido por um júri é uma tentativa de transformar o qualitativo em quantitativo. É como a diferença entre esportes olímpicos. Nos esportes como basquete, futebol, vôlei, há uma contagem de pontos obtidos de forma inequívoca e quem faz mais desses pontos ganha. Em outros, como a ginástica, a contagem é subjetiva, mas fica distribuída por um corpo de jurados.

Isso faz com que toda reunião de prêmio artístico (inclusive festivais de música, cinema, teatro) tenha um pouco aquele clima de “Doze Homens e Uma Sentença”, discussões acaloradas entre jurados, com pressões e concessões de todos os lados, até que o resultado final é proclamado como se fosse o resultado de uma decisão unânime. Uma tentativa de criar um equilíbrio dinâmico de doze subjetividades, para valer como uma forma de objetividade.










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