quarta-feira, 13 de abril de 2016

4101) A perda do centro (13.4.2016)



Uma nação começa a se formar quando obriga (por exemplo) todo mundo a falar a mesma língua. Em cada país da Europa, antigamente, cada um falava sua língua e a de meia dúzia de vizinhos. Chega uma fase na História, contudo, em que todos têm que falar a mesma língua.  A Espanha toda fala castelhano (mesmo havendo regiões com fala própria: catalão, galego, basco...). A Itália fala italiano e é toda cravejada de dialetos ininteligíveis no resto do país. E por aí vai.

E depois todos têm que usar a mesma moeda. Impor moeda única naquele quebra-cabeças de condados e baronatos europeus deve ter sido um sofrimento. O que é isso? É uma formalização, uma maneira de facilitar a comunicação entre todos, facilitar as transações comerciais, a atividade humana em geral. Uma coisa boa. Na intenção, pelo menos. A tentativa recente com o euro, de subir um degrau mais alto nessa formalidade, está meio bambeante. Muita gente acha que nunca vai dar certo.

A destruição da civilização se dá às vezes de dentro para fora. Entre outros processos, com um que pode ser chamado de desformalização, ou quebra do padrão coletivo, do “centro” a que todos os segmentos da sociedade estão conectados. A civilização é um contrato social, é uma formalidade consensualmente aceita em algum momento da história. Quando uma nação afunda, dá-se aquilo que falou o poeta Yeats: “the centre cannot hold”. O centro não mais se sustenta.

Os economistas sempre distinguiram entre a Economia Formal e a Economia Informal, o famoso por “debaixo do pano” ou “caixa-2”. Quando o contrato social é forte, quando um Estado é forte (há outras possibilidades), ele pode impor uma formalização: todo mundo usa a mesma moeda.  “Só quem emite moeda sou eu” (o Estado). Todo mundo que ganhar bem ou que passar por aqui tem que pagar tanto. Ou pelos menos registrar que passou.

Lucro e controle. São dois oásis do capitalismo num mundo incompreensivelmente repleto de coisas que ele não compreende. Só compreende as relações que têm a ver com lucro e com controle. São seus dois eixos de ordenadas e abscissas.

Enquanto existe um pacto social, uma Constituição que é obedecida, ou até mesmo uma família real servindo de âncora simbólica com a tradição, os Estados se sustentam. Quando tudo isso se esfarela, vira cada um por si.

Quando não há um Livro que decida, não há livro sagrado como nas religiões, nem Constituições como primeira e última instância, o centro não se sustenta. Não existe mais lei. A economia informal engolirá a economia formal, e a política informal engolirá a outra, com o mesmo silêncio de duas torres desmoronando juntas num dia de sol.




Um comentário:

  1. Prezado Bráulio.

    Esse é um tema muito instigante, uma vez que se é necessário um conjunto de regras, ou livro, para dar sustentação ao centro, temos que ter cuidado para que não se criem sharias que dogmatizem a leitura.

    O direito como texto é cheio de normas de conteúdo aberto cuja valoração é feita caso a caso. Um julgador pode considerar que um dado sujeito agiu de boa-fé e quando o processo é submetido ao duplo grau de jurisdição o colegiado entender de modo diverso reformando e revertendo a decisão originária.

    Num sistema democrático penso que ninguém pode querer impor uma única e absoluta leitura do conjunto de regras a serem obedecidas e tendo sido vencido na tentativa de emplacar a leitura que cria correta, desde que o debate seja travado com amplo direito de defesa e em clara observância às normas que balizam a discussão, deve aceitar democraticamente a derrota.

    Erros sempre ocorreram e, infelizmente, ocorrerão. Mas é melhor um sistema onde os erros podem ser criticados e corrigidos àqueles onde só é possível interpretar O Livro de uma única maneira.

    No mais, como sempre ocorre com seus textos, é muito bom poder lê-lo.

    Grande abraço.

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