Por que motivo ficamos um pouco decepcionados com um livro (um filme, etc.) onde uma grave situação de mistério ou de ameaça é resolvida por causa de uma coincidência espantosa e bem vinda, dessas de uma em um milhão?. O leitor sente que o autor trapaceou em benefício próprio.
Eu já vi em último capítulo de telenovela um crime antigo
ser finalmente desvendado quando a polícia faz uma última varredura no local, e
acha a carteira de identidade do assassino, que ele perdeu no dia em que
praticou o crime. Nem ele tinha voltado
para buscar nem a polícia tinha encontrado na primeira investigação, cinquenta
capítulos atrás.
O público se julga trapaceado porque o autor está usando um
“deus ex machina”, está resolvendo de uma maneira meio ditatorial um problema
que precisaria de uma certa diplomacia dramatúrgica. Li recentemente um ótimo
livro policial onde se conta um sequestro. Procura-se por toda parte, em várias
estradas do município, algum vestígio da pessoa sequestrada. A certa altura, um
amigo do protagonista pede a este que pare o carro ali numa estrada remota,
pois ele precisa ir urgentemente ao banheiro. Ele para, e quando fica esperando
resolve ele próprio tirar água do joelho. Quando vai até o mato, vê brilhando
ali o capacete da pessoa sequestrada.
Já aconteceram comigo coincidências de cair o queixo, mas
não tinham outro significado a não ser o de sua raridade estatística. Não
parecia que era uma falha da Matrix, ou que era uma forma nova de mandar
recados. Mesmo que se prove que somos o videogame de Alguém, isso não resolve
nenhum dos nossos problemas. A história continua a mesma.
Emma Coats, roteirista da “Pixar”, diz: “Coincidências para
botar os personagens numa confusão, ótimo; mas coincidências para salvá-los são
trapaça.” Não sei até que ponto a
maioria dos leitores controla esses detalhes à medida que vai lendo. O
melodrama teatral e o folhetim literário de antigamente usavam muito a
coincidência nesses dois sentidos. Uma conversa entreouvida ao pé de uma
janela, uma carta ou documento que se perde por acidente, pessoas
compartilhando nomes, lugares, sendo ligadas entre si por um número ou por um
fato aleatório.
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