terça-feira, 5 de abril de 2016

4094) As cartas de Cortázar (6.4.2016)



Em 1951, Julio Cortázar mudou-se de Buenos Aires para Paris. Aos 37 anos, já tinha publicado Bestiário (1951), um dos seus melhores livros, mas a pressão política do regime peronista era insuportável. Um médico, com quem se consultou devido a crises de alergia e cefaléia, disse: “Seu problema não é de doença, é de opinião. Vá embora daqui”. Na época, dois de seus melhores amigos eram o casal Eduardo e Maria Jonquières, com quem começou uma longa correspondência que durou até o fim da vida.

Cartas a los Jonquières (Buenos Aires, Alfaguara, 2010, 576 págs.) reúne 126 cartas que ele mandou ao casal. Eduardo era pintor e poeta, e grande parte da correspondência consta de discussões sobre arte, e relatos das viagens que JC fazia visitando museus, igrejas, galerias de arte. Mais velho que o amigo, Cortázar lhe dava conselhos estéticos, fazia piadas, comentava a vida dos amigos em comum. Essas cartas (diz um dos organizadores do livro, Carles Álvarez Garriga) equivalem a um diário dos seus primeiros anos em Paris.

“Ir embora não é nada,” diz Cortázar em 8.11.51, “o pior é dar-se conta de que existe uma mecânica de chiclete, de que a gente continua aderido e vai se esticando.”  Ele vai se embebendo da cultura local e da vivência. “Rimos dos turistas,” diz em 24.2.52, “mas te asseguro que quero ser até o final um turista em Paris. (...) O que é atroz em Buenos Aires é que se trata de algo muito mais intelectual do que estético, e acelera esse horrendo processo de cristalização de um homem. Por isso os argentinos são pessoas de tanto caráter (!), de tanta ‘personalidade’, repertórios de idéias definitivamente fixas, coaguladas, sem movimento possível. Todo mundo lá tem sua ‘opinião’ sobre as coisas, mas concordarás comigo que basta opinar sobre uma coisa para no mesmo instante deixar de vê-la. (...) Todo homem inteligente e sensato sabe que uma ‘prova’ é sempre outra coisa, que não toca em nada a realidade essencial daquilo de que se fala.”

Ao longo dos anos, ele oscila entre a alegria de estar no centro de uma cultura que admira e a preocupação pelos que ficaram, como a mãe, a avó e a irmã. “Sim, tens razão,” diz em 5.4.52, “fui embora na hora certa. Mas se achas que isso é um consolo te equivocas. Estar fora do incêndio não é um consolo, quando as pessoas que estão queimando te são queridas.”  As cartas documentam, indiretamente, o período em que ele produziu seus melhores contos, inventou os cronópios e os famas; curiosamente, há muito poucas alusões à criação de O Jogo da Amarelinha, seu romance principal. Mas existe aqui material suficiente para alegrar qualquer estudioso do escritor.




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