domingo, 21 de fevereiro de 2016

4055) Queremos a censura (20.2.2016)




(ilustração: Rubem Grilo)


Estão se multiplicando, principalmente nos EUA, os pedidos para que o Estado ou as autoridades locais exerçam algum tipo de censura sobre livros e textos em geral, para proteger a estabilidade emocional nos leitores. Um artigo de Isabel Lucas (aqui: http://tinyurl.com/zuth66b) cita vários exemplos. Obras clássicas como as “Metamorfoses” de Ovídio, a peça “Lisístrata” de Aristófanes e outras são tidas como ofensivas por estudantes conservadores. Eles pedem que os livros sejam eliminados das bibliotecas ou que pelo menos “surjam com uma advertência na capa, chamando a atenção para o ‘perigo’ para o ‘bem-estar mental’ que representam os seus conteúdos, potencialmente causadores de sofrimento, trauma ou angústia’”. Segundo o artigo, humoristas como Jerry Seinfeld estão se recusando a dar espetáculos nas universidades, alegando que os estudantes “não são capazes de suportar uma piada”.

A mania chega a extremos surrealistas. Estudantes de Direito de Harvard pediram que não fosse ensinada a lei sobre estupro, alegando que a visão desta palavra poderia reacender o trauma em estudantes que pudessem ter sido vítimas desse tipo de abuso. (Essa paranoia de negação traz à mente imagens como o avestruz que enterra a cabeça na areia diante do perigo ou o marido traído que manda tirar da sala o sofá onde a traição foi flagrada.) Para a psiquiatra Manuela Correia, “estamos diante de uma excessiva psiquiatrização da sociedade”. Os ditames protetores da psiquiatria tomam o lugar da religião, a quem cabia, até certa época, esse tipo de controle. Isso seria indício de uma infantilização da sociedade, diz ela: uma “sociedade que não consegue lidar com o medo ou a pluralidade da linguagem”.

Se a pessoa é incapaz de suportar a mera visão da palavra “estupro” (tendo sido ou não estuprada), tem todo o direito de evitá-la, é claro. Todo mundo tem fobias ou angústias. Mas nesse caso, por que diabo vai estudar Direito? Não seria melhor estudar algo mais distanciado da realidade social, algo que não a obrigasse a refletir sobre o mundo, a convivência, o atrito ideológico do dia-a-dia? Outro detalhe que inquieta é que para muitos desses espíritos defensivos não basta evitarem os temas, querem que os temas sejam proibidos inclusive para os que não têm trauma nenhum e querem se informar sobre os tais assuntos. É uma regressão emocional perigosa. São pessoas a quem o mundo de hoje assusta (e acreditem, amigos, assusta a todos nós) e preferem fazer de conta que o mundo não existe, preferem refugiar-se numa bolha de segurança fictícia que nem uma ditadura militar seria capaz de manter intacta por muito tempo.

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