Meu pai tinha esse livro, uma compilação de Mello Nóbrega, quando eu estava na minha fase áurea de memorização de sonetos, entre os dez e os quinze anos. Não só sabia a diferença entre decassílabo e alexandrino como podia criar exemplos passáveis de cada um. Nas primeiras vezes em que folheei a obra ela me fascinou porque os sonetos eram todos diferentes e todos iguais. Um dia parei para ler a sério e percebi que o soneto era um só, escrito pelo poeta francês Félix Arvers, e o que havia ali eram algumas boas dezenas de traduções portuguesas e brasileiras. Além de uma lista de paráfrases, paródias, possíveis citações, etc. São no total 130, ao que parece.
O soneto de Arvers é merecidamente famoso como soneto de
salão: “Tenho na alma um segredo, e um mistério na vida...” O poeta conta sua paixão por uma mulher, à
revelia dela, e diz que um dia ela própria, a inspiradora desses versos, irá
lê-los num livro, e pensará consigo: “Quem será essa mulher?”, e não
compreenderá. É um bom soneto, que entre nós poderia ser de um Bilac ou de um
Guimarães Passos.
Uma visão radical da tradução literária pode nos sussurrar
que um soneto em francês não é mais do que um conjunto de instruções, levemente
esboçadas, para alguém escrever um soneto semelhante em português. Foi o que
fizeram nossos tradutores de Félix Arvers. Uns mexiam na estrutura das rimas,
outros a desobedeciam por inteiro, outros eram mais realistas que o rei.
Trechos longos eram revirados de dentro pra fora para fazer tempos verbais
coincidirem. Mas os elementos estavam todos ali. Havia uma coisa elástica,
inquebrável, complexa, era uma idéia que vinha expressa de cem maneiras
diferentes e parecidas. E essencialmente iguais, em termos do tipo de impacto a
que um soneto se propõe. O soneto é como o conto para Cortázar: tem que vencer
por nocaute. Ainda mais porque o soneto tem tamanho fixo, previsível, todo
mundo sabe quando vai terminar.
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