(Bandeira e Augusto F. Schmidt)
Manuel Bandeira é a figura
central de qualquer estudo sobre o ritmo e a métrica na poesia brasileira. De
formação rígida no metro tradicional, foi ele quem demarcou com maior sutileza
e variedade a nossa transição para o verso livre. Todos os outros poetas, neste
aspecto, são pós-Bandeira.
Numa crônica reunida em Os Reis Vagabundos (1966)
ele comenta um texto de Augusto Frederico Schmidt sobre a obra de outro poeta
(modestamente omite que o poeta é ele próprio), e diz que vê a si mesmo como um
catador de poesia na prosa alheia, um “desgangarizador” (expressão de Couto
Barros, diz ele, para quem encontra pepitas de poesia na ganga bruta da prosa
alheia).
E avisa: “A poesia é como um rádium – o milésimo de miligrama
constitui uma riqueza que não se deve deixar perder.”
Agulhado por uma imagem que o
comoveu, Bandeira pega dois trechos de Schmidt, remonta-os, faz pequenas
alterações a bem da sintaxe, e transcreve o poema que encontrou:
PALAVRA A UM POETA.
A luz da tua poesia é triste mas pura.
A solidão é o grande sinal do teu destino.
O pitoresco, as cores vivas, o mistério e calor dos outros seres te interessam realmente
mas tu estás apartado de tudo isso, porque vives na companhia dos teus desaparecidos.
Dos que brincaram e cantaram um dia à luz das fogueiras de São João.
E hoje estão para sempre dormindo profundamente.
Da poesia feita como quem ama e quem morre
caminhaste para uma poesia de quem vive e recebe a tristeza
naturalmente
- como o céu escuro recebe a companhia das primeiras estrelas.
É um exercício interessante
comparar essa descoberta dele com uma descoberta inversa, feita por um amigo,
de um “poema” dele próprio num texto em prosa. Está no livro Opus 10 e
intitula-se “Poema Encontrado Por Thiago de Mello no Itinerário de Pasárgada”.
No Itinerário, a certa altura Bandeira fala das duas semanas que passou, em
1926, no Saco de Mangaratiba (RJ), e da longa viagem noturna de canoa, para
pegar o trem de volta ao Rio de Janeiro. Essa viagem extenuante rendeu-lhe um
longo poema composto mentalmente, num “subdelírio de extrema fadiga”, e do qual
(como do “Xanadu” de Coleridge) se salvaram apenas as poucas linhas que
intitulou “Oração no Saco de Mangaratiba” (em Libertinagem).
E se salvou também este trecho de prosa, em sua
memória do acontecimento, que Thiago de Mello reorganizou assim, em linhas
quebradas:
Vênus luzia sobre nós tão grandetão intensa, tão bela, que chegavaa parecer escandalosa, e davavontade de morrer.
Dessa noite de lúcido cansaço ficou-lhe
também o título que deu a um dos seus livros mais conhecidos: Estrela da
Manhã, de 1936.
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