sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

4025) A palavra assustado (16.1.2016)



“Assustado” era um termo usado nos anos 1950-60 para designar um baile de moças e rapazes em casa de família.  O nome se deve ao fato de que, no início, o costume era fazer a festa de surpresa. Combinava-se tudo antes à revelia da pessoa cuja casa havia sido escolhida para a “invasão”. Cabia às moças levar os salgadinhos, e aos rapazes os refrigerantes e outras bebidas. 

Na hora marcada, o grupo chegava de repente na casa, e em poucos minutos a radiola estava tocando, todos bebiam e dançavam. Como reagiam os donos da casa? Olha, pelo que me lembro, nunca fiquei sabendo de alguma reação hostil. Eram outros tempos – talvez.

Depois, o termo estendeu-se para qualquer festa dançante numa residência, mesmo previamente combinada com os donos da casa.  Era um típo de festa moderninha, urbana. José Laurentino, em Meus Versos Feitos na Roça, diz: 

A prima me olhou sorrindo 
e disse pobre coitado 
já sei que você meu primo 
ainda está atrazado 
é do mato é arigó 
eu não gosto de forró 
nós vamos a um assustado.

Em sua pesquisa A Música Popular no Romance Brasileiro, José Ramos Tinhorão registra várias vezes este termo, como ao transcrever (vol. 1, pag. 131-132) uma cena de Memórias de um Sargento de Milícias de Manoel Antonio de Almeida: 

“Resultado: acaba sendo preso pelo Vidigal como vadio durante uma súcia – como se chamavam na época as pequenas farras improvisadas, estilo assustado...”

Em outro momento, Tinhorão comenta um romance de Clóvis Amorim, de 1934: 

“Era o que já se podia comprovar no capítulo ‘Fuzarca’ desse romance O alambique, ao descrever o escritor uma festa de assustado na casa do personagem Laurentino.” (vol. 2, pag. 208). 

Mais adiante, comentando A marcha de Afonso Schmidt (1941), deixa clara a diferença entre um « assustado » e uma festa de verdade:  "Ao dizer que D. Sinhara chamava o baile em preparação de assustado, o romancista ressalva que ela “dizia assustado por modéstia” (vol. 2, pag. 374).

É um termo datado, palavra cuja existência depende de um contexto de hábitos, depende de certos costumes sociais. Desaparecendo os costumes, seja por que motivo for, desaparece a palavra. 

Nessa intersecção entre dança, bebida e música, outros termos, no que me diz respeito, estão rumando para o desaparecimento, como certos eventos dos clubes sociais: a “manhã de sol” (um conjunto musical tocando à beira da piscina), o “jantar dançante”, a “tertúlia” (o baile do sábado, ou do domingo à noite, não lembro mais; a noite nobre da semana). Como não frequento mais esses clubes, no entanto, talvez esses termos continuem de vento em popa e quem esteja rumo ao ocaso seja eu mesmo.





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