Eu não vivo pesquisando a literatura sobre o Sertão e suas variantes (Cariri, Pajeú, etc.), mas ela não para de me chegar de todos os lados. Fala-se que basta ler Euclides da Cunha ou Guimarães Rosa para saber o que é o Sertão. Não basta. O ponto de vista de um autor é só o dele, por mais rica que seja sua experiência. Nenhum grande autor esgota um assunto; seus livros são o que se chama de “condições necessárias mas não suficientes”. O Sertão (qualquer tema, aliás) é um bufê self-service. Não adianta ficar se servindo de um prato só, por mais bem feito que seja.
Dou o exemplo curioso de dois irmãos escritores com a
mesma origem e vivências semelhantes, com dois livros diferentíssimos e
complementares que li este ano. Cariris Velhos (2008, http://tinyurl.com/n3sjqlm), de Pedro
Nunes Filho, é uma obra de história cultural onde a memória da terra ganha
discernimento e foco por meio da pesquisa sobre a colonização desta região da
Paraíba. Já No Sertão Onde Eu Vivia (2014, http://tinyurl.com/lf8kguo) de Zelito
Nunes é uma recolha de anedotas e episódios pitorescos onde brota o jeito de
pensar sertanejo – caririzeiro, pajeuzeiro, etc., porque são tudo cores da
mesma luz.
O Sertão, para um urbanóide como eu, é precedido pelas
histórias que se contam sobre ele, e que são as roupas com que ele se traja
para ser visto em público. Histórias como as assombrações de Maldito Sertão (2012, http://tinyurl.com/ntbp8nv) de
Márcio Benjamin, as histórias de fantasmas, coisas ruins, feitiços, criaturas
da noite. Ou como os encantamentos de O Monstro das Sete Bocas (2015, http://tinyurl.com/mefb9x7) de minha irmã
Clotilde Tavares, onde se misturam lendas orais, enredos de cordel ou de
Trancoso, numa cadeia de narrativas-dentro-de-narrativas, com personagens que
viram narradores.
O lado cruel do Sertão se revela em livros como O
Dragão (reedição de 1999, http://tinyurl.com/pgfeadc)
de José Alcides Pinto, um apocalipse a prestação, contando a vida de um povoado
lá no calcanhar das botas de Judas, fustigado pela seca, pelas enchentes, pelas
epidemias, pela violência onipresente entre pessoas crestadas por um sol
indiferente e alucinógeno. É o Sertão mitológico de Euclides e de Rosa, aquele
onde “a luz assassinava demais”.
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