Quando li o Tarzan de Edgar Rice Burroughs (na antiga tradução, acho que de Monteiro
Lobato, da Coleção Terramarear) um dos episódios que mais me marcaram foi
aquele em que Tarzan, já rapazinho e criado pelos macacos, encontra na floresta
uma cabana abandonada.
Ele não sabe que era a cabana onde seus pais tinham
vivido; fica fascinado pelos livros, que são descritos com o “olho bruto” de
quem vê algo sem compreender para que serve. Os livros têm figuras, e embaixo
das figuras o rapaz-macaco vê umas formiguinhas enfileiradas, assim:
“m-e-n-i-n-o”. E com isso ele vai relacionando as formiguinhas com as figuras,
e aprende sozinho a ler.
Fantasioso? Sem dúvida, mas é dramaturgicamente
impecável, e é a única cena do livro que eu lembro inteiramente até hoje. (No original, aliás, é até mais plausível:
ele se acostuma a ver as três formiguinhas b-o-y embaixo de toda imagem de um
menino.)
Dias atrás fiz
uma palestra para uma turma de estudantes de leitura numa escola particular em
São Paulo. São pessoas na faixa dos 30-40 anos que não tiveram carreira escolar
normal e que agora, depois de adultos, estão praticando a leitura, inclusive
leitura em voz alta. Meus cordéis publicados pela “34” (Artur e Isadora, O
Flautista Misterioso) estão sendo estudados por eles, daí o convite para que eu
fosse trocar idéias.
Contei a eles o
caso do cordelista João Martins de Athayde. O pai queria que o menino o
ajudasse na roça, e proibiu que ele estudasse. O garoto era teimoso, e aprendeu
a ler por conta própria. Pegava pedaços de jornal que tinham ficado presos nas
touceiras do mato, e perguntava às pessoas: que letra é essa, etc. Depois,
conseguiu uma carta do ABC e andava com ela escondida no chapéu, estudando-a
escondido, sempre que tinha tempo, fazendo perguntas a um e a outro. Assim se
alfabetizou.
Há muitos casos
de cordelistas analfabetos que compunham seus folhetos inteiramente de memória
e depois ditavam as sextilhas a um filho que sabia ler e escrever. E o mais
bonito é que a alfabetização do filho era custeada com a venda dos folhetos do
pai analfabeto.
E há o caso famoso de
outro poeta popular, não me ocorre agora qual deles, que estava dando uma
entrevista a um jornalista do Sudeste, que a certa altura lhe perguntou: “Seu Fulano,
o senhor estudou?”. E ele respondeu, com modesto orgulho: “Não estudei, mas
hoje sou estudado.”