Um amigo meu passou uma semana no Japão. “Descobri o que é ser analfabeto,” disse ele. Pensou que tudo lá tinha letreiro em inglês, mas tem muito pouco. “É terrível você ficar olhando aqueles insetozinhos escritos, saber que aquilo significa alguma coisa, mas não ter nenhuma pista. Nunca senti tanta falta das linguagens ideográficas, como os hieróglifos, onde pelo menos a palavra passarinho parece um passarinho”. Ironia maior pelo fato de que o japonês começou como linguagem ideográfica, mas foi se sofisticando. Hoje, alguém pra ler precisa ser alfabetizado.
Viver numa cidade grande e não saber ler é como ser jogado
no mar com os braços amarrados. Em “Um Assassino entre Nós" ("A Judgement in Stone", 1977), Ruth
Rendell conta a história de uma empregada doméstica inglesa que, por motivos
variados, nunca se alfabetizou e chegou à idade adulta sem que ninguém
percebesse essa deficiência. Numa infância desorganizada pela guerra, Eunice
Parchman trocou várias vezes de escola, interrompeu os estudos, e durante a
adolescência seu objetivo não era mais aprender a ler, e sim esconder que não
sabia. E (diz a autora) a vantagem de ser analfabeto é que o indivíduo adquire
uma excelente memória visual e se força a ser capaz de lembrar de tudo. Povos
inteiros fazem isto desde que o mundo é mundo.
Uma velha piada apócrifa diz que Rui Barbosa saiu de casa às
pressas, esqueceu os óculos, e ao chegar à rua São Clemente perguntou a um
homem humilde, na calçada, que bonde era aquele que estava se aproximando. O
homem respondeu: “Desculpe, eu também não sei ler”. Quem não sabe ler
geralmente alega “um problema na vista” e pede para alguém lhe repetir em voz
alta bilhetes, recados, tudo. Aprende a distinguir os números, acostuma-se a
reconhecer palavras nas placas e letreiros públicos, mas não conseguiria
reproduzi-las com lápis e papel, se lhe pedissem. Vive (diz Rendell) “numa
misteriosa e sombria liberdade feita de sensações, instinto, e ausência da
palavra impressa”.