sábado, 17 de outubro de 2015

3948) "A rotina e a quimera" (18.10.2015)




(Carlos Drummond)


Sob este melancólico título Carlos Drummond publicou uma crônica no Correio da Manhã, recolhida depois no livro Passeios na Ilha (1952), e nela meditava sobre o destino do escritor brasileiro que tem um emprego público. 

Como se sabe, dois terços do nosso cânone na poesia, no romance e no conto foram produzidos por indivíduos que ganhavam a vida como: 

1) funcionários públicos; 
2) professores; 
3) jornalistas. 

Em tempos mais recentes, 

4) publicitários; 
5) advogados. 

A fatia mais estreita corresponde a todas as outras profissões, inclusive a fugidia espécie do “escritor em tempo integral”.

Há medidas modernizadoras (diz o poeta) para evitar que funcionários desviem seu tempo de expediente para atividades menos confessáveis (ele lembra que Lima Barreto “escrevia romances nas costas do papel almaço, usado, da repartição”). O escritor-funcionário, porém, não deixará de escrever por isto: “escreverá na hora do sono ou da comida, escreverá debaixo do chuveiro, na fila, ao sol, escreverá até sem papel”.

Drummond falava de cátedra, e para ele o escritor-funcionário tem que estar equidistante do miserê e do pleiboísmo: 

“O emprego do Estado concede com que viver, de ordinário sem folga, e essa é condição ideal para bom número de espíritos: certa mediania que elimina os cuidados imediatos, porém não abre perspectiva de ócio absoluto. O indivíduo tem apenas a calma necessária para refletir na mediocridade de uma vida que não conhece a fome nem o fausto.”

O poeta reconhece a floração do talento em outros temperamentos, como o boêmio ou o escritor faminto de mansarda, mas adverte: 

“aqui se trata de certo tipo de criador literário, aquele que não ama velejar pelos mares lendários nem ancorar à sombra do botequim: o escritor-homem comum, despido de qualquer romantismo, sujeito a distúrbios abdominais, no geral preso à vida civil pelos laços do matrimônio, cauteloso, tímido, delicado. A organização burocrática situa-o, protege-o, melancoliza-o e inspira-o”.

O poeta parece estar opondo o andarilho Rimbaud ao sedentário Drummond, mas logo abaixo ele se dá o trabalho de nomear (contei agora mesmo) trinta e três colegas do nosso Olimpo literário, e seus respectivos cargos. O poeta ainda adverte: 

“Mas seriam páginas e páginas de nomes, atestando o que as letras devem à burocracia, e como esta se engrandece com as letras.”  

A primeira grande decisão na carreira de um escritor não é estética nem ideológica, é a sua resposta à pergunta: “Como vou ganhar a vida enquanto escrevo? Um emprego confortável e seguro, que dure a vida toda, ou viver de aventuras? Qual das duas vidas me transformará num escritor melhor?”.






Um comentário:

  1. Com base nessas ideias estou lendo artigo sobre a poeta Ana Martins Marques, também poeta-funcionária, de MG.

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