quinta-feira, 15 de outubro de 2015

3946) "O Desatino da Rapaziada" (16.10.2015)



Terminei a leitura, que passou voando, de O Desatino da Rapaziada – Jornalistas e Escritores em Minas Gerais 1920-1970” de Humberto Werneck (Companhia das Letras, 1992). Digo que passou voando porque é assim que parece passar esse período nas letras e na imprensa de Minas Gerais, com uma sucessão de jornais, revistas e suplementos ou tablóides literários que sobem aos céus de Minas em girândolas de boas intenções e versos febris, brilham durante alguns anos ou alguns números e depois se desfazem em fumaça e cinza enquanto um novo tablóide alça sua própria explosão.

Sempre pensamos no escritor brasileiro como um funcionário público com histórias para contar, papel em abundância e tempo de sobra. O livro de Humberto Werneck nos lembra que não só as repartições: as redações de jornais também foram um valhacouto onde se homiziaram muitos beletristas acusados de poetas. E lembra que a reportagem diária, com seus percalços, revelou muitos dos nossos talentos na ficção.

HW examina em seu livro gerações sucessivas de jornalistas-literatos, começando pela época do Modernismo, com Carlos Drummond de Andrade sendo a figura que mais se destaca, e depois vem abordando a geração “encontro marcado” em alusão ao romance homônimo de Fernando Sabino (cujo grupo se complementa com Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino), até a explosão dos “contistas mineiros” dos anos 1960 em diante, de Murilo Rubião a Luiz Vilela.

Aliás, é bom qualificar minha afirmação mais acima, porque ser jornalista era, também, uma forma de ser funcionário público. Os jornais geralmente faziam parte de projetos pessoais de governadores, prefeitos, políticos necessitados de um altofalante para seus interesses.  O jornalista geralmente não tinha estabilidade, nem salários polpudos nem proteção trabalhista, mas era possível aproveitar os entusiasmos eleitoreiros deste ou daquele partido para encher as ruas de papel impresso. Surgiam daí os jornaizinhos combativos que na metade da frente defendiam os interesses do patrão e na metade de trás traficavam as subversões estéticas do seu tempo.

São dezenas de episódios pitorescos de rivalidades poéticas, despeitos pessoais, travessuras, pequenos delitos, maledicência terapêutica. E de louvação bem humorada aos azares da profissão, que, segundo o poeta Carlos Drummond, “proporciona o treino diário, a aprendizagem continuamente verificada”, e ajuda a prevenir a chegada da “preguiça, que é o mal do literato entregue a si mesmo”. Nada como uma boa redação dos velhos tempos para curar o “writer’s block” dos existencialistas de hoje.



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