quinta-feira, 8 de outubro de 2015

3940) "Você vem muito aqui?" (9.10.2015)



(Cranach: Adão e Eva)

Deve ser o mais antigo começo de cantada registrado pela História. Eu imagino o Jardim do Éden, a árvore do Bem e do Mal e à sua sombra Eva encostada no tronco, olhando a paisagem, enrolando o cabelo no dedinho. Adão se aproxima, cheio de pose, com aquele andar de urubu baleado, uma lata de cerveja na mão, encosta junto dela e manda: “Oi!... Você vem muito aqui?...” e ela: “Não... Primeira vez.”

Todo mundo, homem ou mulher, precisa puxar conversa com uma pessoa interessante de quem se aproxima numa boate, bar, etc. A garota é bonitinha, tem um jeito esperto, parece animada e a fim de entabular conversa. Alguma frase tem que ser a primeira. Podemos comentar a animação da pista de dança, o clip do telão, a temperatura da lata de cerveja... Não importa o quê: alguma coisa tem que ser dita.

O impagável Zé Trindade das antigas chanchadas recomendava: “O negócio é perguntar pela Maria! Todo mundo conhece uma Maria.” De fato, basta isto para engatar um diálogo. Se a garota estiver mesmo a fim de papo com você ela aceita até que você pergunte por Wislawa Szymborska. Mas não adianta: a primeira coisa que vem à mente é o mais confortável dos clichês masculinos. Encostamos na parede ao lado dela, desfechamos o olhar 43 e o sorriso 57 e perguntamos: “Você vem muito aqui?”

Até Bob Dylan reconheceu esse arquétipo, em sua canção que diz: “What’s a sweetheart like you doing in a dump like this?”.  Mas existem pulsões inconscientes por trás desta fórmula mágica. Às vezes o cara vem na boate de vez em quando e nunca a viu lá. Se ela disser, p. ex., que é de fora da cidade, isso já altera o delineamento estratégico de ação. Se ela disser que vai ali toda semana, idem, só que ao invés de comentar o local para ela, basta pedir que ela o comente para ele, o resto é consequência.

Ele pode também estar pensando se nas vindas futuras ao local vai encontrá-la de novo ou se aquela será sua única chance. Pode estar (ele) indo ali pela primeira vez, e quer ser ciceroneado por uma frequentadora experiente (“aquela porta ali dá prum jardinzinho tranquilo, menos barulhento...”). Estas alternativas se superpõem e se misturam na cabeça dele ao fazer a pergunta, e tudo vai depender da resposta dela. Numa enquete informal com amigos, registrei duas respostas mortais. Na primeira a garota olhou o infeliz de cima a baixo e disse: “Venho toda noite, sou a mulher do dono.”  Outra deu uma gargalhada e mandou: “Ultimamente eles estão me barrando na porta, mas hoje eu pulei o muro”. É, amigos, a caçada noturna é cheia de ameaças, e não se sabe de onde vem o maior perigo, se dos outros caçadores à solta ou da própria caça.




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