sexta-feira, 18 de setembro de 2015

3923) Clodomiro Ferreira (19.9.2015)



"Clodomiro Ferreira era não apenas meu melhor amigo, mas uma espécie de segundo pai depois que meu pai morreu. Passou meses folheando meus cadernos, me ajudando nas tarefas de casa, até que uma noite ergueu o rosto e disse pra minha mãe: “Ele é bom em matemática. Vamos fazer dele o melhor contabilista do mundo.”  Eu não sabia então o que era contabilista, mas a possibilidade de ser o melhor alguma-coisa do mundo já era bem clara para mim aos dez anos. Se me tornei o melhor contabilista do mundo? Não sei, perguntem a Clodomiro, porque virei contabilista dele.

“Quando se mudou pra casa da gente Clodomiro me protegeu, e me exigiu muito. Tem que agradecer muito a um homem como aquele. Ele não era bruto como os professores da escola, ensinava até melhor, eu aprendia. Cresci, me formei, em poucos anos pulei de divisão em divisão até estar comandando as finanças. Era tanto jeton e tanto pro-labore que me casei com uma ex-namorada que reencontrei na fila do Banco.  Entramos para o Clube da Naja Ninja. Épocas de muitos estudos; fazíamos sessões de transcendência ultrabiótica, peregrinação-mental, tele-espeleologia, reconstituição de vidas futuras. Mesmerizações, e instalação de psico-aplicativos.

“Rosinha só não era mais feliz porque todo dia tinha que sair para comprar alguma coisa. Eu pensava em viagens e na minha secretária, Katiushka. Sabe quando um trabalho anda sozinho?  Clodomiro me chamou na sala dele, e parecia que tinha recebido notícia de morte na estrada. Desabou na cadeira e me perguntou por que eu tinha feito uma loucura daquela. Perguntei qual, evidentemente. Ele fechou as cortinas e passou no telão umas imagens de câmara de vigilância. Era eu, chegando ao prédio de madrugada, esvaziando o cofre, saindo à sorrelfa.

“Naquele instante eu soube que quando alguém se apossa da mente da gente a gente apaga e não vê o que está fazendo e também não lembra depois o que fez. Eu não podia negar aquela imagem, era eu, sim, eu mesmo, naquela noite em que (fui consultar meu celular depois) eu saí para caminhar no parque e só dei por mim horas depois, em casa, exausto e suado. Com a mesma camisa xadrez das imagens.

“Um castelo de cartas caiu todinho nesse dia, mas isso para mim são águas passadas. Clodomiro foi companheiro. Me ofereceu a chance: assumir a culpa e sumir de vez. Escolhi fugir sozinho, e acertei: depois soube de Rosinha com o Mesmerizador. Peguei um saco de dinheiro, papelada falsa, e fui me instalar numa confortável pousada, cuja remota localização não posso sequer sugerir. Clodomiro, que homem inteligente, que homem do coração bom, tem que se agradecer muito a um homem como aquele.”

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