terça-feira, 15 de setembro de 2015

3920) O mundo é real? (16.9.2015)




(o "girador" de Penny Lane, em Liverpool)


O mundo existe ou é uma ilusão dos nossos olhos? Para mim isso era tema dos romances de FC de Richard-Bessière ou de Philip K. Dick, não era assunto para letra de música. O mundo da música era tão concreto quanto um elétron; e tão consensual quanto o Meridiano de Greenwich. As canções orientais dos Beatles foram as primeiras que tocaram no assunto: “Venha cá, velho, você acha que esse mundo que nós estamos existe mesmo, ou tudo é somente uma ilusão?” 

Pergunta mais profícua não foi feita desde que Arquimedes ou Bertrand Russell questionou o teorema tal ou qual. A vanguarda européia do começo do século 20 já tinha amassado o biscoito da metalinguagem. O questionamento do Real, que por um lado vinha do misticismo do Oriente, e por outro vinha de viagens alucinógenas dos músicos, se misturava a hipóteses de físicos sobre universos múltiplos ou à teoria também chamada de “somos o video-game de Alguém”.

Ian MacDonald, cuja bola vivo a encher merecidamente nesta coluna, tem uma observação interessante sobre “Penny Lane” dos Beatles. (De passagem: ele observa que o piano em staccato dessa faixa agradou tanto nessa gravação, feita entre dezembro de 1966 e janeiro de 67, que os Beatles voltaram a usá-lo com variantes nas gravações subsequentes de “Fixing a Hole”, “Getting Better”, “With a Little Help from my Friends” e “You Mother Should Know”.) Ele cita Lennon garantindo que tudo ali é tirado de memórias visuais dele, tudo é factual. Toda memória é a foto de um reflexo numa nuvem, mas a intenção do poeta foi mesmo a de falar do que havia. O bombeiro, o barbeiro, o cara do banco, as crianças... 

E MacDonald diz, sobre o teor psicodélico da música: “Essa canção é tão subversivamente alucinatória quanto ‘Strawberry Fields’. Apesar da aparente inocência, há em toda a produção dos Beatles poucas frases tão impregnadas de LSD do que o verso (numa rajada fremente de vozes ornamentais) em que a Enfermeira ‘feels as if she’s in a play’... and ‘is, anyway’”. 

A Enfermeira tem aquele insaite instantâneo de que tudo que vê em torno (e que a música descreve) não é “real”: ela está mesmo é numa peça, numa encenação, numa montagem. “E afinal é mesmo”, diz o narrador onisciente da canção.  Ela está numa canção dos Beatles... e de repente percebe que não existe. Como aquele personagem eletrônico em Simulacron-3 de Galouye, que vem a saber que é apenas um carinha-de-game, mas para ser nosso interlocutor naquele mundo ele precisa saber que em certa medida ele não é real. Tremenda crise existencial pro personagem a quem isso acontece. Mais tranquilo ficar com Mario Quintana: “Pra que pensar? Também sou da paisagem”.

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