quarta-feira, 22 de julho de 2015

3873) A fala do vilão (23.7.2015)



Por que o vilão, tendo o mocinho amarrado à sua mercê, passa horas conversando e contando vantagem e recapitulando como praticou os crimes, em vez de matar logo o mocinho? Resposta: porque ele é um “gourmet”, e matar sem saborear não tem graça. A dilatação do tempo é para potencialização do prazer.  

Para esse tipo de vilão o Mal não é um fim em si, é apenas um objetivo intermediário para chegar ao Prazer. Ele despreza as pessoas que matam apenas para livrar-se de um problema. O crime, para ele, é como um salto ornamental ou um solo de cavaquinho, precisa ser executado com a perfeição da longa prática e precisa ser sentido como uma obra de arte. 

Morte sem texto, por mais heróica ou importante que seja, é sempre um anticlímax. E o clímax é esse discurso final diante do mocinho manietado, mas raramente amordaçado, para que possa terçar argumentos com o criminoso. Virou um tropo, uma figura de linguagem do gênero.

Esse recurso dramatúrgico vem certamente do teatro, a cujo espírito pertence. No teatro tradicional, mais até do que no cinema, é pecado mortal matar um vilão ou tentar matar um herói em poucos segundos. Nas cenas finais das tragédias de Shakespeare há muitas lutas de espadas (cuja duração, ao longo da história, diretores e atores elasteceram até os limites da credibilidade), entremeadas de copiosas falas que são, na verdade, a razão de ser daquilo tudo.

O melodrama popular, ademais, precisava nesses minutos decisivos deixar o espectador com uma idéia aproximada do que tinha acontecido no espetáculo, quem matou quem e por que motivo, qual a razão do ódio da família X pelo clã Y, e assim por diante. 

Quando o melodrama teatral de 1850 foi substituído pela literatura policial de 1900, esse papel passou a caber ao detetive: era ele que encurralava o vilão (geralmente numa sala cheia de autoridades e testemunhas) e impiedosamente descascava camada por camada dos fatos que cercaram o crime. 

O melodrama, porém, não tinha essa sofisticação de enredo, e precisava de uma confissão em voz alta do próprio vilão, que o herói confrontava movido por energia e boas intenções, mais do que pelos talentos dedutivos que só viriam na fase pós-Sherlock Holmes. 

Esses monólogos, nos melodramas, são consanguíneos daquela velha técnica do “à parte”, quando o ator diz algo para a platéia e os personagens em volta fingem que não escutaram.

No folhetim e no melodrama, o vilão se denunciava, num acesso de jactância. Quando o vilão acorrenta o herói e diz: “Sim, pobre ingênuo, fui eu quem afundou o navio, incendiou a estação de trem, envenenou a água do castelo...”, o pobre ingênuo a quem ele se dirige é o espectador.










4 comentários:

  1. Num mundo que tende à dita "convergência" as falas do vilão (o morador da vila) substituem, por amor à narrativa, o corifeu.

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  2. Nas literatura de cordel, as histórias de bravura trazem, além do duelo físico, o duelo verbal, a exemplo do gênero peleja. Sem esse combate dentro do combate não há empatia com o leitor. Por causa disso, a fronteira entre o heroísmo e a vilania se fragiliza de tal forma que, muitas vezes, a balança de nossas preferência pende em direção à última.

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