(ilustração: Giambattista della Porta)
“Pode procurar aí os registros da morte de Jorge Kalimero.
Foi galã de sucesso da Vera Cruz nos anos 1950, mudou-se pro Rio e viveu do Cinema
Novo até os 80, voltou para São Paulo e ziguezagueou por toda a escala de
personagens da Boca do Lixo até o controvertido final. O filme em que morreu
era para ter sido seu triunfal retorno aos 70 anos, longe das telas há uma
década.
“Kalimero, depois de velho, virou um pequeno caudilho.
Viajava levando uma caravana com esposa, filhos, criados, secretárias que mal
sabiam anotar um telefone, protegidos que cochichavam ao seu ouvido e ele metia
a mão no bolso, entregava bolos de notas amassadas. Grande ator, mas sem noção
da vida real.
“A cena do dia fatal era a morte do seu personagem. General
aposentado, depois de ganhar a guerra, está em casa numa manhã de inverno,
ouvindo música. Um ladrão entra, há luta, o ladrão o mata com um tiro no peito.
O assassino? Um pobre diabo que não sabia quem ele era.
“Aquela era a primeira cena do dia. Kalimero saiu do seu
trailer às oito, figurino do personagem, entrou no cenário, foi preparado.
Rodaram numerosos planos. Quando rodaram a cena do tiro, o projétil disparado
pela arma do coadjuvante varou o coração do veterano astro.
“O processo foi coberto pela imprensa, está tudo bem à
vista. Veredito: acidente. Havia duas opções na cena: um tiro de festim, para o
qual bastaria uma veste reforçada por baixo da roupa; ou um projétil de
verdade, que produziria um choque mais realista no peito do ator, mas
precisaria haver por baixo um colete antibala comum, daquele da polícia.
“O juiz disse que o tiro foi acidental, mas Kalimero tinha
dinheiro e propriedades, a decadência dele era somente artística. Muita gente
querendo sua morte, ainda mais agora, trabalhando, seguro assinado. E eu
trabalhava nesse filme. Foi um dos meus primeiros trabalhos, eu servia de
menino de recados para os assistentes de direção.
“O crime consistiu em alguém garantir à equipe que tudo bem
com projéteis de verdade, porque o astro exigiu o colete à prova de bala. E em
alguém garantir do outro lado que o tiro seria festim, e bastaria um pulôver
reforçado com pelica.
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