quarta-feira, 1 de abril de 2015

3776) A política pavloviana (1.4.2015)



E assim, como quem não quer nada, chegamos a um repertório de memes variado, irresistível, capaz de produzir, numa multidão  bem estudada, reações previsíveis. Na política, p. ex., termos como “tucanalha” e “petralha” são repetidos por todos aqueles a quem interessa transformar palavras como estas em detonadores da violência irracional em A ou B. É um processo de adestramento, como aquele a que se submetem os pitbulls e outros cães de guarda: atacar sem pensar, assim que receber o estímulo longamente treinado.

Quando fornecemos a grupos em disputa não apenas motivos para que se odeiem, mas também lhes damos um vocabulário de ódio (insultos que deverão dizer, insultos que aprenderão a detectar no discurso alheio, comparações pejorativas, clichês comportamentais, etc), basta ficar observando à distância e introduzindo na redes os memes necessários, nos pontos nevrálgicos (saites mais visitados, postadores mais seguidos), sempre que for preciso. E ficou provado que é possível reger, ao longo de alguns dias, o som e a fúria de milhões de pessoas que não se conhecem umas às outras e que julgam ser dotadas de livre arbítrio.

As táticas repetem algumas do tempo da república velha: inventar apelidos, nomezinhos ofensivos ou desdenhosos, palavras tão odiadas que se tornem tabu, que se tornem senha, password, pronta para detonar em qualquer ocasião. É muito útil saber que um indivíduo vai do zero ao crime em menos de um minuto, se a palavra que ele foi adestrado para odiar for pronunciada. Chamar os adversários na política de petralha ou de tucanalha não é muito diferente de tratá-los no futebol por mulamba ou bambis. O que importa é que o nome de achincalhe seja usado e repetido até virar um meme, um mantra, um gatilho em forma de sons pronto para disparar ao mais discreto sinal do dedo de alguém.

As pessoas não questionam. Acham que aquilo se deve à raça com que sempre souberam defender suas opiniões, ao fato de que elas estão certas e as outras erradas, etc. e tal. Pessoas que não cultivam a Razão auto-questionadora sempre têm desculpas para o que fazem, por menos deliberado ou consciente que pareça ter sido. Não sabem que estão sofrendo implantes mentais às custas apenas de mera repetição do meme com variações de contexto. Impossível ouvir a frase 73 sem dar a resposta 73, impossível ver a imagem 49 sem ter a reação 49. Tudo é imposto ao estilo rajada de chumbo, o que bater bateu, não dá para prever comportamentos individuais, mas num universo quantitativo na casa das dezenas de milhões dá uma segurança razoável para que o efeito desejado seja atingido.




2 comentários:

  1. ótima reflexão sobre o comportamento pavloviano.

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  2. E vá você, como professor, tentar estimular os seus alunos à análise crítica do que quer que seja. Não estão habituados a pensar e se recusam a aprender. Essa atitude é respaldada pelos sistemas de educação por meio, de um lado, do assédio moral e vigilância constante sobre os professores, e do outro lado pela total e absoluta complacência (que chega a ser incentivo) à ociosidade e ao desinteresse dos alunos. Em suma, as coisas estão como estão porque interessa a certos setores que assim estejam e como tal permaneçam.

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