quinta-feira, 12 de março de 2015

3759) Onde foi que eu vi (12.3.2015)



(Oscarito)

Para um crítico ou historiador das artes narrativas existe sempre uma pergunta que pode ser aplicada a qualquer tipo de criação: Quem foi o primeiro que fez isto?  O crítico sabe que um filme ou um livro é apenas um fotograma (rico de informações, é claro) de um filme mais longo, onde aquela idéia sofrerá suas próximas e sucessivas mutações. Aquela obra é o instantâneo atual daquela idéia. Mas o espectador (leitor, fã, etc.) tem uma pergunta diferente, quando ele pensa em todas as histórias que já foram contadas.  Ele pensa: Onde foi que eu vi isso pela primeira vez, e minha alma nasceu, ou nasceu de novo?

Leitores muitas vezes têm suas epifanias mal acompanhados. Quando ele lê uma das grandes cenas da literatura, que encanta a humanidade há milênios, vai ler numa versão contemporânea, mal traduzida ainda por cima, mas vai ser uma epifania do mesmo jeito. A primeira vez em que li sobre o jardim das veredas que se bifurcam foi num romance de F. Richard-Bessière aos dez anos. Fiquei pronto para conceber o espaçotempo como os fios de uma tapeçaria que não enxergamos por inteiro. Sabemos apenas que nosso fio vai em tal e tal direção, muda de cor aqui e ali, e que se isso não acontecesse o desenho final ficaria maculado ou incompleto.

Onde foi que eu vi minha primeira máquina do tempo?  Foi no filme de George Pal, e sem ele eu não teria ido atrás de um escritor chamado Wells, que eu na verdade pensava ser um ator de cinema que tinha inventado uma invasão de discos voadores num programa de rádio.  Qual foi a primeira vez em que eu vi uma mulher nua no cinema? Acho que foi uma vez no cine São José de Campina Grande (que está em processo de restauração, salvou-se uma alma!). Eu tinha uns nove ou dez anos.  Tia Adiza me levou, como fazia quando era à noite, para ver uma chanchada qualquer com Oscarito, Zé Trindade, Ankito... aquela turma. Antes do filme, entrou um trailer onde aparecia (em preto e branco, anos 1950) uma dançarina usando o que uma rainha de bateria de Escola de Samba usa em 2015.  Um cronoclasma, na terminologia de John Wyndham.

Na volta, após o filme, vínhamos a pé pelo balde do Açude Novo e alguém comentou: “Que absurdo!”, com minha tia. “Sim, é um absurdo, passar uma coisa daquela num filme que as crianças vêm ver,” disse Tia, com luterana convicção. Eu estava ansioso para botar alguma coisa pra fora e tentei concordar com ela: “Eu, pelo menos, venho sempre que posso”.  A ousadia masculina dessa frase, aliás absurda nas circunstâncias “presentes”, me sobressaltou. Eu pensei baixinho: “Quem vê diz que tu pode vir sozinho.”  E respondi, mais baixo ainda: “Um dia eu venho, e aí vocês vão ver.”




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