quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

3704) Henry James e Machado (7.1.2015)



De vez em quando alguma coisa de Henry James me lembra Machado de Assis.  Não sei se alguém os acha parecidos; eu acho, e muito.  Quando se fala nas influências britânicas de Machado é lembrado Laurence Sterne, citado nominalmente (e bem visível, em estilo) no Brás Cubas.  Eu penso na semelhança de Machado com James. Aqueles salões, aquelas paixões furtivas, senhores emproados, damas melífluas, aquele ambiente de chás e comendadores e intrigas a meia voz por entre leques e mantilhas. Sem falar nos dois estilos, que correm em paralelo, como dois pianos acompanhando, cada um a seu modo, uma melodia que só os dois escutam.

No conto “The Romance of Certain Old Clothes” (1868) vi esta cena breve de uma discussão de casal, onde o autor diz: “Lloyd put his arm around his wife’s waist and tried to kiss her, but she shook him off with magnificent scorn.”  Que eu traduziria assim, ao meu modo: “Lloyd passou o braço pela cintura da esposa e tentou beijá-la, mas ela o repeliu, com soberano desprezo.”  O adjetivo “magnificent” me lembrou uma cena parecida.  Fui encontrá-la no capítulo XV do Brás Cubas, quando nosso herói está tentando subornar Marcela (a dos “quinze meses e onze contos de réis”):

“No dia seguinte levei-lhe o colar que havia recusado. — Para te lembrares de mim, quando nos separarmos, disse eu. Marcela teve primeiro um silêncio indignado; depois fez um gesto magnífico: tentou atirar o colar à rua. Eu retive-lhe o braço; pedi-lhe muito que não me fizesse tal desfeita, que ficasse com a jóia. Sorriu e ficou.”

É pouco; mas é típico.  A “magnificência” dos gestos deixa a entender que são resultado de longo estudo por parte da mulher. Há em Machado e James uma espécie de ironia bem-humorada no acompanhar das ações dos personagens, menos para diminuí-los do que para divertir-se, por meio de certa malícia paternal, com seus percalços. Onde se distinguem mais é na presença mais ativa (e mais moderna) do Eu-Narrador de Machado, mais desenvolto do que o de James, mais disposto a ocupar o proscênio, a fazer parar a história enquanto proseia com o leitor. 

No mais, ambos os romancistas são discretos, meditativos, mais à vontade com salas de visitas do que com batalhas campais; ambos conscientes do público feminino que os lia, ambos mais afeitos à observação atenta do que à ação arrebatadora.  Seu mundo é o de cavalheiros que nunca trabalham, de uma vida social de regras rígidas e maledicência constante, repleta de duplos sentidos, evasivas, dissimulações, pequenos rituais de salão que mal ocultam a dinâmica real dos amores e dos ódios, um estilo indireto de vida social que impregna e modula a frase, o enredo, a voz narrativa.




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