sexta-feira, 7 de novembro de 2014

3652) André Carneiro (7.11.2014)




(foto: Sophia Pedro / Editora Três)


Devo ter lido André Carneiro pela primeira vez por volta de 1965, ano da publicação da antologia Além do Tempo e do Espaço (editora Edart, SP), talvez a primeira antologia de FC brasileira que li.  Incluía, curiosamente, um elenco de autores que ninguém identificaria com o gênero: Domingos Carvalho da Silva, Lygia Fagundes Telles, Álvaro Malheiros, Nelson Leirner e outros.  Não lembro muito do conto dele; o conto marcante, para mim, foi “Da Mayor Speriencia” de Nilson Martello. Depois ele foi reaparecendo em revistas e antologias, e assim formou-se na minha memória a trinca dos grandes autores da chamada Geração GRD: André Carneiro, Fausto Cunha e Rubens Teixeira Scavone.



André foi poeta da Geração de 45 antes de escrever FC.  Foi editor de um importante jornal literário, Tentativa, sobre o qual já falei nesta coluna (aqui: http://tinyurl.com/m5p3puc). Foi fotógrafo, cineasta, artista plástico.  A FC era apenas uma das suas muitas atividades, um aspecto dele com que sempre me identifiquei, porque o escritor típico de FC não apenas não faz outra coisa, ele nem sequer escreve outra coisa.



Tinha um estilo fluente, fácil, e parecia produzir sem muito esforço. Aos 75 anos publicou um encorpado volume de contos, A Máquina de Hieronymus, e aos 85 outra coletânea, Confissões do Inexplicável, com mais de 600 páginas (fez também as ilustrações, uma série de colagens). Nos anos mais recentes, encontramo-nos algumas vezes no Fantasticon, o evento de literatura fantástica em São Paulo.  E nos falamos por telefone quando incluí contos dele em duas antologias minhas: “A escuridão”, talvez sua obra-prima, em Páginas de Sombra, e “Do outro lado da janela”, em Páginas do Futuro.



Depois dos 80 anos a vista piorou; ele saiu de São Paulo e foi morar com o filho, em Curitiba.  Ao telefone, comentava com entusiasmo este ou aquele livro que estava lendo. Eu perguntava: “Mas André, você não disse que a vista estava ruim?” “E está, mas eu pluguei a câmera digital na TV grande da sala, fico filmando a página e vendo as letras bem grandes na TV, passo o dia lendo.”


André Carneiro faleceu esta semana, aos 92 anos.  É o nosso escritor de FC mais publicado fora do Brasil: tenho textos dele numa revista uruguaia, numa antologia inglesa.  Sua presença constante, publicando com regularidade ao longo da vida inteira, o aproximou das sucessivas gerações de escritores e críticos mais jovens.  O fanzine Somnium publicou por anos as “Crônicas do André”, relatos memorialísticos e de circunstância, que bem poderiam ser compilados e republicados num saite.  Um brinde para o grande André, que viveu o futuro até o fim.