Quando se diz que o ser humano vai ser destruído por máquinas que ele mesmo criou, tem gente que imagina logo hordas de andróides assassinos ou de robôs desregulados.
Não vou dizer que isso é impossível,
porque não quero queimar minha língua daqui a dez anos, mas por enquanto acho
que essas tais máquinas destruidoras são de outra natureza. A burocracia, por
exemplo, é uma máquina – um conjunto de processos interligados, cheios de
vetores hierárquicos (séries de atos que só podem ser cumpridos se outros atos
forem cumpridos primeiro) e assim por diante.
Numa crônica anterior (“O que é
um Loop”, em http://tinyurl.com/myqtz37)
falei sobre um desses aspectos.
Acontecem
coisas assim o tempo todo na administração pública e privada. Me lembro que o
Brasil já mandou destruir milhões de toneladas de café colhido e ensacado para
provocar escassez do produto e aumentar o preço dele no mercado.
Conta-se que quando publicou em 1922 seu livro de viagens Alexandria, E. M. Forster (autor de Passagem para a Índia, etc.) recebeu certo
dia uma carta da editora, informando que tinha havido um incêndio no depósito
e, entre outras coisas, toda a primeira edição do livro fora destruída.
Por
sorte a edição estava no seguro, o seguro já tinha sido pago, e acompanhava a
carta um cheque (“com uma soma substancial”) referente aos direitos autorais
daquela tiragem.
Forster achou aquilo muito chato, mas não tinha jeito a
dar; embolsou o cheque e foi pensar noutra coisa. Semanas depois, entretanto,
chega outra carta. Os editores acabaram descobrindo que o porão do armazém
havia sido poupado do fogo, e justamente lá tinha sido estocada toda a edição
do livro dele.
Parecia uma solução, mas na verdade era um problema. A
destruição tinha sido comunicada à seguradora, que achara suficientes as provas
apresentadas. O dinheiro já tinha sido pago e provavelmente gasto, ia ser
difícil não só devolvê-lo como desmanchar todos os trâmites legais que
conduziram ao pagamento. Qual foi a solução que a editora encontrou? Incinerar
os livros.
A história me lembra também certas soluções
políticas em que é impossível desfazer um erro e o jeito é cometer outro erro
do mesmo tamanho para equilibrar os pratos da balança. Em Limite de Segurança de Sidney Lumet, os EUA jogam sem querer uma bomba atômica sobre Moscou. Para
mostrar que estavam de boa fé e evitar um holocausto nuclear, o presidente norte-americano
manda jogar uma bomba idêntica sobre Nova York.
Os processos da política, da
administração, da economia são de tal natureza que um erro acaba gerando uma
cadeia de soluções tão catastróficas quanto o problema original. E la nave va.