terça-feira, 29 de julho de 2014

3563) Forster e a burocracia (29.7.2014)



Quando se diz que o ser humano vai ser destruído por máquinas que ele mesmo criou, tem gente que imagina logo hordas de andróides assassinos ou de robôs desregulados. 

Não vou dizer que isso é impossível, porque não quero queimar minha língua daqui a dez anos, mas por enquanto acho que essas tais máquinas destruidoras são de outra natureza. A burocracia, por exemplo, é uma máquina – um conjunto de processos interligados, cheios de vetores hierárquicos (séries de atos que só podem ser cumpridos se outros atos forem cumpridos primeiro) e assim por diante. 

Numa crônica anterior (“O que é um Loop”, em http://tinyurl.com/myqtz37) falei sobre um desses aspectos.

Conta-se que quando publicou em 1922 seu livro de viagens Alexandria, E. M. Forster (autor de Passagem para a Índia, etc.) recebeu certo dia uma carta da editora, informando que tinha havido um incêndio no depósito e, entre outras coisas, toda a primeira edição do livro fora destruída. 

Por sorte a edição estava no seguro, o seguro já tinha sido pago, e acompanhava a carta um cheque (“com uma soma substancial”) referente aos direitos autorais daquela tiragem.

Forster achou aquilo muito chato, mas não tinha jeito a dar; embolsou o cheque e foi pensar noutra coisa. Semanas depois, entretanto, chega outra carta. Os editores acabaram descobrindo que o porão do armazém havia sido poupado do fogo, e justamente lá tinha sido estocada toda a edição do livro dele.  

Parecia uma solução, mas na verdade era um problema. A destruição tinha sido comunicada à seguradora, que achara suficientes as provas apresentadas. O dinheiro já tinha sido pago e provavelmente gasto, ia ser difícil não só devolvê-lo como desmanchar todos os trâmites legais que conduziram ao pagamento. Qual foi a solução que a editora encontrou? Incinerar os livros. 

Acontecem coisas assim o tempo todo na administração pública e privada. Me lembro que o Brasil já mandou destruir milhões de toneladas de café colhido e ensacado para provocar escassez do produto e aumentar o preço dele no mercado.   

A história me lembra também certas soluções políticas em que é impossível desfazer um erro e o jeito é cometer outro erro do mesmo tamanho para equilibrar os pratos da balança. Em Limite de Segurança de Sidney Lumet, os EUA jogam sem querer uma bomba atômica sobre Moscou. Para mostrar que estavam de boa fé e evitar um holocausto nuclear, o presidente norte-americano manda jogar uma bomba idêntica sobre Nova York. 

Os processos da política, da administração, da economia são de tal natureza que um erro acaba gerando uma cadeia de soluções tão catastróficas quanto o problema original. E la nave va.








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