Clodoaldo era dono de um bar pros lados de Bodocongó, rodeado pelo campus da UFCG. Era amigo dos estudantes. Aprendeu na carne e no sangue o que é permitir um caba liso assinar um vale. Mas era uma alma boa, inteligente, lia muito, gostava de papo, e era tão maluco quanto qualquer universitário.
(Quem segurava as pontas
financeiras do bar era a mulher dele, que ele chamava de Receita Federal:
“Vocês podem beber em paz aí, que a Receita Federal tá contabilizando tudo.”)
Quando o filme ficou pronto, foi inscrito num
festival na Alemanha. Mas o dinheiro da Quadra já tinha acabado, e Clodoaldo
não pagou a ninguém.
Clodoaldo
ganhou uma quadra da Mega-Sena e resolveu dirigir um curta. Chamou o pessoal do
curso de Arte & Mídia para trabalhar na equipe, prometendo pagar “tabela do
sindicato”.
O pessoal foi, mais pela curiosidade e pela farra, mas os problemas
começaram no roteiro. Cadê o roteiro, Clodoaldo? “Tá todo aqui,” dizia ele
subitamente sério, com o indicador apontando a têmpora, firme como um revólver.
Qual era a história? Um dia ele dizia: “É uma interpretação urbana do cangaço e
da cultura da mandioca.” Tempos depois,
dizia: “É uma guerra entre uma família pobre e uma família rica.” Noutro dia era: “É a história de um cara que
tudo que faz dá errado.”
Na
primeira semana de filmagem, ele disse a Duda, o fotógrafo: “Essa cena eu quero
com a câmara em cima de um ônibus”.
Duda: “Mas não são duas pessoas
conversando? Melhor a câmara parada.”
Ele: “A gente combina com o motorista pra
passar bem devagarinho.”
Duda: “Mas por que tem que ser o ônibus?”
Ele: “Eu
acho tão bonito, uma câmara em cima de um ônibus!”
Ele
inventou de filmar uma briga de faca em que cada vez que uma faca batia na
outra se ouvia um tiro de revólver, mas recusou edição no estúdio, a
sincronização tinha que ser feita na hora, com um cara mais atrás disparando
cartuchos na hora certa. “Dá muito trabalho, Clodoaldo”. E ele: “Tudo que é bem
feito dá trabalho. Vocês pensam que isso aqui é Hollywood, onde tudo é
facilitado?!”.
Clodoaldo sujou o
prontuário policial de toda a equipe ao invadir a Prefeitura com um grupo de
cangaceiros (“tem que ser sem pedir licença, quero espontaneidade”). Discussões
acaloradas em cada dia de filmagem. Câmara de cabeça pra baixo (“pra simbolizar
a inversão de valores morais”).
O pessoal rompeu com ele, e passou a beber no bar de
Dionísio, que era perto. Por vingança, nem avisaram a Clodoaldo quando
receberam a notícia de que o filme tinha ganho o prêmio especial da crítica.
“Quem manda ser xexeiro?”, resmungava Duda. “E se ele se animar, vai querer
fazer um longa e aí lascou-se tudo.”