Há uma frase muito citada de Balzac, acho que do Esplendor e Miséria das Cortesãs (1838-47), em que o autor diz: “A história da felicidade é entediante, de modo que podemos pular os cinco anos seguintes”.
Tem muita gente que não gostaria de ir pro Céu: para eles, seria um grave problema, porque o Céu é monótono. (Eu mesmo já dei minha contribuição, com um poema intitulado “Quero ir pro Inferno”)
O Paraíso seria como o desses filmes espíritas: uma espécie de clínica, com gramados verdinhos estilo Windows XP, todo mundo de branco, passeando de mãos dadas, tomando suco de groselha e escutando “Because”.
Pra
mim tudo isso decorre de uma indefinível sensação subconsciente, em nossa
cultura, de que trabalho é uma coisa ruim, esforço é uma coisa ruim, e que um lugar
ideal (=um paraíso) teria que ser um lugar sem esforço, conflito, incerteza,
choque de vontades e de opiniões...
É a mesma regressão infantil que nos fez inventar geringonças mecânicas e eletrônicas para nos poupar de esforços físicos. Acabamos inventando mil-e-uma outras geringonças (esteiras, academias) para fazer esforços desnecessários. Ninguém percebe, claro, porque somos O País dos Cegos.
É a mesma regressão infantil que nos fez inventar geringonças mecânicas e eletrônicas para nos poupar de esforços físicos. Acabamos inventando mil-e-uma outras geringonças (esteiras, academias) para fazer esforços desnecessários. Ninguém percebe, claro, porque somos O País dos Cegos.
Mas
no próprio momento de imaginar isso alguma coisa no subconsciente do imaginador
se rebela, mete os pés. Sabe que essa idealização
é falsa, e que no fundo ele não quer viver nessa pasmaceira.
Os cinco anos de felicidade imaginados por Balzac (suponho que sejam cinco anos de felicidade de um casal) não foram passados, certamente, deitados na relva, num ano de 365 feriados-com-rivotril. A vida real, mesmo feliz, não é entediante.
Entediantes são essas fantasias toscas e kitsch de repouso-a-perder-de-vista que a cabeça da gente imagina quando a gente está no fundo do poço do cronograma estourado, do relógio que galopa, das contas que não batem, dos planos que vão por água abaixo, das picuinhas domésticas, do azedume da fadiga, do rancor mal dormido entre os fracassos.
Os cinco anos de felicidade imaginados por Balzac (suponho que sejam cinco anos de felicidade de um casal) não foram passados, certamente, deitados na relva, num ano de 365 feriados-com-rivotril. A vida real, mesmo feliz, não é entediante.
Entediantes são essas fantasias toscas e kitsch de repouso-a-perder-de-vista que a cabeça da gente imagina quando a gente está no fundo do poço do cronograma estourado, do relógio que galopa, das contas que não batem, dos planos que vão por água abaixo, das picuinhas domésticas, do azedume da fadiga, do rancor mal dormido entre os fracassos.
Data vênia, amigos que vivem no sufoco (e eu sei tanto o que é isso!), mas só existe felicidade se for uma “felicidade guerreira”, uma felicidade em que o corpo e a alma (ou só a alma, se se trata do Além) tenham coisas relevantes para cuidar.
É compreensível, em nossa cultura do trabalho escravo, que os paraísos tenham tinturas de ócio, mas os cinco anos que Balzac pulou devem ter sido animadíssimos, e dariam outro livro tão bom quanto.
Na Bíblia a ideia de felicidade está sempre associada a uma constante vida de trabalho e serviço (no caso, a Deus). Pensando bem, o tédio está tanto no ócio como na atividade repetitiva.
ResponderExcluirBusquemos a felicidade.