terça-feira, 16 de dezembro de 2014

3685) Música, imagem e idéia (16.12.2014)



Coube a Ezra Pound dar uma das mais simples, ricas e eficazes receitas para definir a poesia, em seu ABC da Literatura (Editora Cultrix, São Paulo). Ele diz, no capítulo IV: “Contudo, as palavras ainda são carregadas de significado principalmente por três modos: fanopéia, melopéia, logopéia.  Usamos uma palavra para lançar uma imagem visual na imaginação do leitor ou a saturamos de um som ou usamos grupos de palavras para obter esse efeito.” Já vi estudantes recitando ladainhas para decorar isso. E na verdade nem precisa tanto esforço.  Basta entender o que é.

“Fanopéia” se refere à utilização das palavras para produzir imagens visuais (ou sensoriais de um modo mais amplo – imagens auditivas, olfativas, táteis, etc.) na mente do leitor.  “Fano—“ vem do grego “phainen”, “mostrar”, tornar visível uma imagem.  Por exemplo, “diáfano” é algo que se deixa trespassar por uma imagem.  A fanopéia é portanto a produção de uma imagem na mente do leitor, pelo uso de palavras. Se eu digo: “Um círculo vermelho com um quadrado amarelo no centro”, produzi uma fanopéia em quem leu essa frase.

“Melopéia” vem do grego “melo”, que significa música e deu origem a termos como “melodia”.  É a produção de uma impressão musical, melódica, na mente do leitor, pela combinação de sons sugeridos pelos fonemas usados nas palavras do verso.  E “logopéia” vem de “logos”, que significa “idéia”; mesma origem de “lógica”, etc.

O que diz Pound?  A poesia usa palavras arranjadas de tal maneira que produzem, na mente de quem as lê, impressões visuais (e sensoriais, num sentido mais amplo), impressões melódicas e impressões de idéias abstratas (que não se relacionam nem com a imagem nem com o som).  Música, imagem e idéia.  Cada poema, cada verso, traz essas três coisas, em proporções que variam o tempo inteiro. 

E esse elemento, “---péia”, de onde vem? Vem do grego “poein, poiein”, que significa “fazer, criar, compor”.  É a mesma palavra que está na raiz de “poeta” e “poesia”.  O poeta é um fazedor. (“El hacedor” é o título de um conto de Borges em homenagem a Homero.)  A poesia é algo que é criado, construído, composto.  Não cai do céu nem brota do chão. É o resultado de uma ação conjunta da emoção, da inteligência e da vontade. Poesia é a criação, através de palavras, de impressões visuais, impressões melodiosas e idéias abstratas.  Claro que a fórmula de Pound não encerra o assunto. (Alguma fórmula já encerrou algum assunto?)  Mas é um ponto de partida. Não explica o “por quê” nem o “para quê” da poesia, mas não conheço nenhuma outra receita que explique melhor o “como”, a maneira como a arte da poesia produz os efeitos que produz.





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