quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

3679) O pai caçula (9.12.2014)

Participei de algumas mesas de debates sobre Ariano Suassuna, e nelas se tocou num assunto que me deixou intrigado.  Como qualquer pessoa deve perceber, essas palestras são como cantoria de viola, metade é balaio pronto, a outra é improvisação.  E quando vêm perguntas da platéia isso faz chispar às vezes uma faísca.  Surge num instante uma resposta boa, mas que não foi preparada, não foi dissecada em tudo quanto contém, foi apenas uma rápida associação de idéias, em função de um exemplo, ou algo casual, e a gente diz aquilo à medida que continua pensando.  Exatamente o que faz um cantador repentista, só que ele improvisa em verso, e eu improviso em prosa.

Conheço uma rapaziada no Rio de Janeiro que é fã de Ariano mas de Ariano só conhece o Auto da Compadecida filmado por Guel Arraes.  Essas pessoas viram a minissérie ou o filme, talvez leram o livro, provavelmente acabarão vendo-a um dia no teatro (levarão os filhos, quando os tiverem), mas sempre associaram João Grilo, Chicó e companhia àquele ancião de cabelos brancos e ralos, ternos brancos ou rubronegros, voz rouca, costas encurvadas. 

Quem escreveu a Compadecida, no entanto, foi um rapaz de 28 anos, como lembrou Carlos Newton Jr. num debate recente.  Em 1958, quando começou a escrever o Romance da Pedra do Reino (1971), Ariano já estava ganhando dinheiro com as montagens de suas peças.  A primeira vez que o vi falando ao vivo foi quando ele fez a Aula Magna da UFPB no Teatro Municipal de Campina Grande, em 1972.  Ariano, de terno, falava em pé, andando de um lado para o outro, inquieto.  Tinha uma energia incontível.  Estava com 45 anos.  Já vi na Internet alguns vídeos dele nessa época: cabelo bem preto, cortado curto, descuidado, terno escuro, gravata, a voz rápida, cortante.  O filme de Vladimir Carvalho O Homem de Areia tem um pequeno trecho de diálogo com Ariano mais ou menos por essa época.

Por que lembrei disso?  Talvez porque o próprio Ariano percebeu um dia que já era mais velho do que seu pai João, que morreu assassinado aos 44 anos.  Ariano escreveu um texto onde lembra o conceito de “pai caçula”, termo sugerido por Albert Camus, que parece ter vivido uma situação parecida.  O pai morre jovem, e resta jovem para sempre.  O filho paga a vida envelhecendo.  E no fim, é sempre um ancião avaliando à sua maneira os arroubos de um jovem.  Assim ele escreveu, no poema “Dístico”, dedicado ao pai: “Se morreu moço e em sangue, teve tempo / de governar seus pastos e rebanhos, / e a feiosa velhice / jamais o degradou. // Glória, portanto, à Morte e a suas garras, / pois, ao sagrá-lo, assim, da vida ao meio, / do Desprezo o salvou (...)”.





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