Participei de algumas mesas de debates sobre Ariano
Suassuna, e nelas se tocou num assunto que me deixou intrigado. Como qualquer pessoa deve perceber, essas
palestras são como cantoria de viola, metade é balaio pronto, a outra é
improvisação. E quando vêm perguntas da
platéia isso faz chispar às vezes uma faísca.
Surge num instante uma resposta boa, mas que não foi preparada, não foi
dissecada em tudo quanto contém, foi apenas uma rápida associação de idéias, em
função de um exemplo, ou algo casual, e a gente diz aquilo à medida que
continua pensando. Exatamente o que faz
um cantador repentista, só que ele improvisa em verso, e eu improviso em prosa.
Conheço uma rapaziada no Rio de Janeiro que é fã de Ariano
mas de Ariano só conhece o Auto da Compadecida filmado por Guel Arraes. Essas pessoas viram a minissérie ou o filme,
talvez leram o livro, provavelmente acabarão vendo-a um dia no teatro (levarão
os filhos, quando os tiverem), mas sempre associaram João Grilo, Chicó e
companhia àquele ancião de cabelos brancos e ralos, ternos brancos ou
rubronegros, voz rouca, costas encurvadas.
Quem escreveu a Compadecida, no entanto, foi um rapaz de
28 anos, como lembrou Carlos Newton Jr. num debate recente. Em 1958, quando começou a escrever o Romance
da Pedra do Reino (1971), Ariano já estava ganhando dinheiro com as montagens
de suas peças. A primeira vez que o vi
falando ao vivo foi quando ele fez a Aula Magna da UFPB no Teatro Municipal de
Campina Grande, em 1972. Ariano, de
terno, falava em pé, andando de um lado para o outro, inquieto. Tinha uma energia incontível. Estava com 45 anos. Já vi na Internet alguns vídeos dele nessa
época: cabelo bem preto, cortado curto, descuidado, terno escuro, gravata, a
voz rápida, cortante. O filme de
Vladimir Carvalho O Homem de Areia tem um pequeno trecho de diálogo com
Ariano mais ou menos por essa época.
Por que lembrei disso? Talvez porque o próprio Ariano percebeu um
dia que já era mais velho do que seu pai João, que morreu assassinado aos 44
anos. Ariano escreveu um texto onde
lembra o conceito de “pai caçula”, termo sugerido por Albert Camus, que parece
ter vivido uma situação parecida. O pai
morre jovem, e resta jovem para sempre.
O filho paga a vida envelhecendo.
E no fim, é sempre um ancião avaliando à sua maneira os arroubos de um
jovem. Assim ele escreveu, no poema
“Dístico”, dedicado ao pai: “Se morreu moço e em sangue, teve tempo / de
governar seus pastos e rebanhos, / e a feiosa velhice / jamais o degradou. //
Glória, portanto, à Morte e a suas garras, / pois, ao sagrá-lo, assim, da vida
ao meio, / do Desprezo o salvou (...)”.
"...só que ele improvisa em verso, e eu improviso em prosa." ♥
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