Há um mecanismo
na mente humana que eu denomino Síndrome do Solitário Exemplo. E defino assim: quando temos uma única
experiência de algo, somos incapazes de perceber (e isto é mais do que
compreensível) o que existe ali de necessário e o que existe de contingente. Em
outras palavras: o que faz parte da própria essência daquilo, e o que não passa
de um detalhe colateral, irrelevante, que tem importância naquele exemplo
isolado mas não pertence à categoria como um todo.
Sou meio ruim de
abstrações filosóficas e o jeito é correr para o abrigo do exemplo mais
próximo. Você desce num aeroporto na
Turquia, país que visita pela primeira vez, e o taxista é barbudo, tem um terço
católico pendurado no retrovisor, e usa óculos escuros. Sua primeira conclusão é estender as
características do Solitário Exemplo à categoria em geral e pensar que todos os
turcos (ou todos os taxistas turcos) têm barba, terço e rayban. Quantas vezes
ouvimos de um recém-chegado, desembarcados há meia hora, como “os cariocas” ou
“os paraibanos” são gentis/grosseiros/prestativos/distraídos/faladores/...
Na literatura de
Fantasia Heróica aconteceu algo parecido.
Muitos jovens leram O Senhor dos Anéis e botaram na cabeça a noção de
que qualquer texto que se escreva em Fantasia Heróica tem que constar
obrigatoriamente de três volumes. Aí, o
autor de 20 anos diz: “Estou com uma idéia ótima para a minha primeira
trilogia”.
Sem querer
entrar nos méritos estéticos ou estruturais do equívoco, me basta o argumento
biográfico. Tolkien detestava o
conceito de trilogia. Na cabeça dele,
estava escrevendo um romance, a ser publicado como romance. Seus editores tinham tido uma bela vendagem
com O Hobbit e tiveram paciência bastante para passar meses
argumentando. Tolkien não era um
escritor profissional. Era um filólogo,
um acadêmico, e livros com 1.500 páginas faziam parte de seu repertório de
consulta habitual. Ele mal lia a
literatura de seu tempo, era carrança e ranzinza, e foi um trabalho para a
editora Allen & Unwin convencê-lo a desmembrar o livro em três, mesmo tendo
este uma estrutura que favorecia essa subdivisão.
E se não bastasse a memética natural do ídolo para os fãs, as editoras ainda reforçam o conceito. Se no cinema até as trilogias estão dividindo o último filme em partes, só nos resta aguardar até que a moda caia no gosto do mercado editorial (se é que a prática de universo expandido na forma de contos já não pode ser considerada como parte deste filão).
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