domingo, 19 de outubro de 2014

3633) "A dançarina e o coronel" (17.10.2014)



A Guerra de Princesa é um dos grandes episódios épicos da história da Paraíba.  Em 1930 o município de Princesa Isabel desafiou o governo do Estado, chefiado por João Pessoa, o qual tentava (muito compreensivelmente, do ponto de vista administrativo) evitar que o algodão paraibano fosse remetido direto para o porto do Recife, sem pagar impostos na Paraíba. A velha animosidade entre os coronéis sertanejos e os burocratas do governo precisou apenas dessa fagulha para pegar fogo.



Princesa pegou em armas, declarando-se “Território Independente”, com hino, bandeira, o escambau. e foi atacada pelas tropas do governo. Em julho daquele ano, o assassinato de João Pessoa pelo líder sertanejo João Dantas, por motivos mais pessoais do que políticos, espalhou a guerra pelo resto do Brasil.  O conflito ganhou outra proporção, os sertanejos entregaram as armas e Getúlio Vargas virou ditador.



Não conheço muitos romances sobre a Guerra de Princesa. Dois deles, contudo, são de Aldo Lopes de Araújo: O dia dos cachorros (Recife: Bagaço, 2005), uma reconstituição fantasiosa e desbocada da campanha, e agora A dançarina e o coronel (Bagaço, 2014) que é focado no mesmo tempo e espaço, mas com uma narrativa muito diferente.  Desta vez, o centro do romance é a chegada de um circo à cidade (que no livro recebe o nome de “Perdição”) e uma porção de fatos inusitados que acontecem.  A guerra é lá fora, vemos os jovens que partem armados, alguns que voltam mortos na carroceria de um caminhão, mas o foco da história é nos personagens presos no interior da cidade cercada. 



Num clima meio O Circo do Dr. Lao de Charles G. Finney (o romance fantástico arquetípico do tema “Circo Chegou na Cidade”), vemos a história do rapaz que faz uma corda apontar para o ar, sobe por ela e desaparece; o avião rebocado por carro de boi; o bebê que passa 40 anos no ventre da mãe; um desfilar de criaturas e situações que ora lembram Garcia Márquez, ora as histórias que minha avó contava a minha mãe muito antes de Garcia Márquez saber o beabá.


O Dia dos Cachorros era um “roman à clef” onde era possível identificar os vultos históricos por trás dos nomes dados pelo autor. A dançarina e o coronel, se usa esse artifício, é em função de pessoas locais que um leitor de fora não tem como reconhecer, nem precisa.  A história se arma como fabulação, cuja verossimilhança é robustecida não pelos paralelos com a História, mas pela sua simetria com os mitos, as lendas, as histórias que todos nós ouvimos na Paraíba e eram todas tão óbvias que antes de Aldo Lopes ninguém achou que valia a pena transformá-las em literatura.

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