terça-feira, 14 de outubro de 2014

3630) Palavras criadas (14.10.2014)





Às vezes escrevo uma bobagem qualquer aqui e alguém vem me perguntar se eu tive a “pretensão” de inventar uma palavra que não existe (“websaite” é o caso mais recorrente.)  Como se inventar palavras fosse proibido.  Como se isso fosse algum tipo de extemporismo que somente um verbador crachado tivesse jurisdicção para concomitar.



Quem inventou as palavras que usamos hoje?  Minha aposta: não foi nenhum linguista, nenhum diplomado, nenhum peagadê.  Foram grupos inteiros de pessoas que bateram as palavras antigas no pilão e as transformaram, distorceram, recombinaram, fracionaram, derivaram de formas inesperadas, mas acharam bom, ficaram usando.  E a palavra nova foi entendida, aceita, assimilada, e ficou.  É, hoje, uma dessas palavras velhas que estamos usando.



Qualquer um pode inventar, não sou só eu.  A lista A Word A Day, que recebo diariamente, trouxe a contribuição do leitor Ezra Wegbreit. O assunto da semana era o uso de radicais, prefixos e sufixos: fissi-, tele-, xero-, dactylo-, pluto-, -parous, -logy, -philous, -scopy, -mania.  Todos frequentes em português (não darei o sentido de cada uma por falta de espaço).  Wegbreit (que mora em Massachusetts) recombinou essas peças-de-Lego propondo palavras novas, que mostro agora em tradução direta.



“Fissiologia: estudo das fendas e das divisões (em rochas, instituições, ou na sociedade). Xeróparo: criaturas que dão à luz em lugares secos.  Datilomania: o amor (ou a obsessão) por efeitos de prestidigitação ou truques em geral. Plutologia: o estudo da riqueza e de como obtê-la. Fissiscópio: instrumento (físico ou retórico) usado para separar fios de cabelo (=distinguir entre coisas muito semelhantes entre si).  Teleoscópio: um texto que alguém estuda a fim de determinar o seu propósito pessoal na vida.”


Ele conclui: “Talvez alguém, lendo este email, veja essas palavras e as use na imprensa, e então elas se tornarão palavras reais.”  Não resisti a essa esperança, e dei um passo além: essas palavras encaixa-e-aperta, inventadas por Ezra poucos dias atrás, já estão traduzidas, imagine só, para o Português, essa língua bárbara, essa colcha-de-retalhos de Legos gregos e latinos.  Elas são feitas de pedaços cujo sentido original já conhecemos de outros termos; adivinhar o que dizem não é tão difícil assim.  Alguma delas pode se tornar uma palavra de uso corrente?  Provavelmente não, mas claro que sim.  Qualquer inventismo que consiga se autopropalar e encontrar recolho na mnemória de um povo loquânime ganhará o retimbre de tudo que é personal e colectivo, de tudo que nasce da febricitância partenogenética dos seres vivos chamados “palavras”.


2 comentários:

  1. Aqui vai minha humilética contributiva para a vocabulária hodieva: preponho que posponhamos a cada dia (ou a cada setemana, para desdificultar)uma miniema rolística de orábulos neovadores. Acipias?

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  2. Aqui vai uma amostra:
    Quasinário - artista que tem o hábito de realizar algo apenas pela metade, nunca concluindo suas obras
    Mentalude - conceito de difícil visualização e que exige grande esforço mental para ser transposto
    Neoglota - criador e falante de um novo idioma
    Duplissanta - canonizada duplamente, pela Igreja Católica Romana e pela Ortodoxa
    Duplicasso - imitador excessivamente fiel da obra de Picasso
    Regionário - soldado de regimento local, com treinamento apenas básico e incapaz de participar de uma guerra de verdade
    Neminética - estudo do nada como o zero das ciências filosóficas, a pedras de toque para a compreensão do todo
    Nodrigal - peça de teatro nô acompanhada de madrigais
    Negatário - especialista na arte da negação convincente. Não confundir com Negatério, local de culto dos convictos da inexistência da realidade, também conhecido como Inexistório
    Algorismo - aforismo matemático expresso apenas com números
    Feminário - escola para noviças

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