sábado, 11 de outubro de 2014

3628) Apaguem as luzes (11.10.2014)




Apaguem as luzes, estou com medo.  Não sabia que existiam criaturas assim, vorazes, na escuridão, cegas a tudo a não ser à própria fome, ou à própria gula, sabe-se lá com que intenção nos caçam tanto assim.  Melhor fazer de conta que nunca as vimos e que se as vimos isso ajudou a afastá-las, ao invés (pelo menos é o que a gente espera!) de atraí-las.  Banqueiro por dinheiro é tubarão por sangue.  Quantas outras coisas existem, afora dinheiro e sangue, que produzam uma tal leminguização do Homo Sapiens?



Lembrei agora a história do cego de nascença que, finalmente curado, ao atravessar as avenidas sentia-se mais seguro quando fechava os olhos, porque não registrava as motos resfolegantes, os ônibus de bote armado, os carros-esporte velozes e indiferentes.  Fechava os olhos; e atravessava.  Retornava ao lusco-fusco do somente áudio, onde se sentia mais senhor de si.



Melhor deixar as luzes do país bem apagadas. Eu não esperava tanto serpentário espalhado em bairros dos mais belos jardins, em gente do mais branco sorriso, em famílias que ostentam amor e solidariedade na lapela.  Melhor ter desligado o P. A., ou ter abaixado a chave no quadro-de-luz, do que permitir que uma tamanha algazarra midiática revelasse o país inteiro a si mesmo, assim, de chofre, ao longo de uma ou duas décadas de pura vertigem, de voo cibernético, de strip-tease desta nação véia diante do espelho.



A Web tornou-se a tela íntima e pública dos nossos pensamentos, desde o melhor que há nos artigos ao pior que há nos comentários.  Antes você tinha o cinema, aquela telona gigantesca.  De repente, do lado oposto você tem cem mil telinhas, como se fosse aquelas histórias de Marc Laidlaw sobre uma parede com cem apartamentos, em dez camadas de dez.  É mundo demais, realidade demais, vampirismo curitibano demais, nelsonrodriguismo demais.  O “cerumano” não pode ser tão previsivelmente real assim.  Apaguem já essa luz.



Eu preferiria aquelas elegias melancólicas que falam do fim do mundo como um lento e imperceptível anoitecer.  Deixar a vida aos poucos, como o ficando-reto de uma onda, não com a guilhotina súbita de um interruptor.  


Tive um susto danado com o que vi, obrigado por terem desligado.  Bem, continuo vendo tudo à minha frente. Engraçado isso. Acho que deve ser o conhecido fenômeno da persistência retiniana, que mantém vivo, por frações de segundo, o lampejo do entrevisto. Engraçado. O lampejo ainda não sumiu. Mesmo com as luzes apagadas, consigo ver tudo.  Não é como se estivesse vendo mesmo, pra valer, luz acesa olhos abertos.  É um fantasma do que eu vi, mas ele é tudo que minha lembrança é capaz de ver agora.


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