No meu tempo de estudante dizíamos: “Os americanos vêm ao
Brasil e ficam escandalizados em ver que nós somos obrigados a ter uma Carteira
de Identidade. Isso é coisa de
prisioneiro. Lá nos EUA isso não existe.
Quando um cara precisa se identificar, apresenta a carteira de
motorista. Isso mostra o quanto vivemos num Estado Policial.” Verdade parcial, como toda verdade. Para coisas mais oficiais do que um baculejo
na calçada, nos EUA, eles requerem o Social Security Number, que parece ser uma
espécie de CPF (o cartão não tem foto nem data de nascimento).
A tendência dos Estados é se tornarem mais policiais e
controladores à medida que ficam mais ricos e complicados. A documentação das
pessoas de cem anos atrás é irrisória se comparada à de hoje. Lendo biografias vemos como os dados da vida
civil dos biografados são cheios de lacunas, de inconsistências, de ausências
inexplicáveis.
Stefan Zweig, em seu livro O Mundo de Ontem (1942) dizia:
“Nada deixa mais claro o imenso retrocesso que recaiu sobre o mundo depois da I
Guerra Mundial do que as restrições sobre a liberdade de deslocamento do homem
e a diminuição dos seus direitos civis. Antes de 1914 a Terra pertencia a
todos. As pessoas iam para onde desejassem e ficavam o quanto quisessem. Não
havia vistos nem autorizações de permanência, e sempre me dá prazer deslumbrar
os mais jovens contando que antes de 1914 viajei da Europa para a Índia e para
a América sem ter um passaporte e sem ter em qualquer momento visto um.
Embarcava-se e desembarcava-se sem questionar e sem ser questionado: não era
necessário preencher um único dos inúmeros formulários requeridos hoje em dia.”
Não há como não lembrar, diante disto, do poema de
Maiakóvski (de 1929) sobre o passaporte soviético. Ele começa dizendo: “Às
credenciais não lhes tenho respeito. / Que vão para o diabo todos os
papéis!”. Ele ridiculariza as reações
do funcionário de fronteira que manuseia os passaportes: respeito diante do
documento britânico, mesuras e salamaleques diante do americano (“pegam como
se fosse uma gorjeta”), desprezo pelo passaporte polonês... Mas quando pega o passaporte vermelho da
URSS, “pegou-o como uma bomba, pegou-o como a um ouriço, como a uma navalha
afiada...”
Sonho com aquela utopia de um conto de Asimov, onde há um "Presidente do Mundo". As fronteiras e países são uma das evidências de nossa ignorância. Somos habitantes de um único e mesmo planeta...
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