sábado, 27 de setembro de 2014

3615) Paranóia hospitaleira (27.9.2014)




(Bela Lugosi, 1931)


Um vampiro nunca pode entrar por vontade própria quando vai pela primeira vez à casa de alguém. Ele precisa ser convidado a entrar por alguém, pertencente à residência (ver Drácula, cap. 18). Depois que alguém diz: “Oh, Conde Drácula, mas que surpresa, veio conhecer minha humilde casa, pode entrar, não repare a bagunça”, ele entra, e a partir desse instante você perdeu todo seu domínio, todo seu direito à proibição, à interdição da presença. Ele poderá entrar e sair à vontade. 



Esta é uma das regras da existência do “nosferatu”, mas ela se estende a outros domínios. Celia Fremlin, escritora inglesa, tem um conto arrepiante sobre  uma menina que está sozinha em casa numa noite chuvosa, na ausência dos pais, e ouve outra menina batendo à porta, pedindo para entrar. (Vejo um eco desse conto, que é bem antigo, no filme sueco, depois refilmado nos EUA, Deixe ela entrar)  É um dos medos mais primitivos da humanidade. Se você está trancado e em segurança num ambiente familiar, confortável, etc., será que se arriscaria a deixar entrar ali um desconhecido, que pode representar uma ameaça? (Lembrem de Laranja Mecânica: “Por favor... sofremos um acidente na estrada... meu amigo está ferido... deixem-nos usar o telefone...”). 



A paranóia da hospitalidade é uma daquelas situações analisadas na Teoria dos Jogos em que você é forçado a uma decisão porque com a decisão oposta teria pouco a ganhar (se desse certo) e muito a perder se desse errado. Na dúvida, é melhor dizer: “Vá embora, não vou abrir pra ninguém, vá bater noutra porta”.



Deixar entrar um estranho: eis uma fórmula simples para muitas situações trágicas. Curiosidade e ingenuidade são uma combinação perigosa, vide os troianos ao receber o presente do cavalo de madeira. Levaram o Estranho para dentro de suas muralhas, que era justamente onde ele queria chegar.  Não foram muito mais espertos do que os índios brasileiros que aceitaram roupas usadas e morreram de peste.


Na série Game of Thrones, a hospitalidade, os direitos e deveres recíprocos entre anfitrião e hóspede são sagrados.  Um dos seus momentos mais dramáticos foi no episódio chamado de “Red Wedding”, quando essa regra foi covardemente quebrada.  Matar o hóspede (tanto quanto matar o que hospeda) é o mais desonroso dos crimes. Macbeth recebe o rei em seu castelo e o assassina durante a noite.  Isso é mais vil do que mandar matar um amigo e o filho pequeno, do que aconselhar-se com as três velhas sinistras.  Hospedar um criminoso, ser recebido na casa de um criminoso: uma ingenuidade imperdoável na Guerra dos Tronos.


2 comentários:

  1. Prezado Bráulio Tavares,
    desculpe por fugir do assunto, mas hoje pela manhã tive uma grande alegria e um grande orgulho. Alegria, pela nova tradução de um dos meus escritores favoritos Raymond Chandler que criou a grande personagem Philip Marlowe (seco, misógino, sarcástico, cínico). Orgulhoso pelo fato da tradução haver sido feita por um conterrâneo nascido em Campina Grande (com certeza você é trezeano). Um grande abraço.

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  2. Oi Marcelo. Obrigado pelo incentivo! Se você é fã de Chandler, então divulgue esse blog que estreei esta semana, sobre a obra dele e meu processo de tradução: http://caminhandocomphilipmarlowe.blogspot.com.br/
    Quanto ao futebol, digo apenas: Respeita o Galo, mundiça!

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