(ilustração: Huxley King)
Em 1975, Vladimir Nabokov, então morando em Montreux
(Suíça), cidade que já nessa época devia viver infestada de músicos
brasileiros, foi a Paris para ser entrevistado no programa de TV Apostrophe,
respondendo a perguntas e a comentários de Bernard Pivot e Gilles Lapouge.
(Aqui, com legendas em português: http://tinyurl.com/ozxtunu)
O autor de Fogo Pálido fala num francês saboroso, com torneados de voz muito
bem humorados. Recitando Verlaine, ao lembrar da adolescência, ele observa que
rimas como “atonne / détonne” são rimas incestuosas, porque são a mera
repetição de um sufixo ou elemento comum a ambas. Certo-incerto,
cansar-descansar, são rimas incestuosas, estão acasalando coisas
etimologicamente consanguíneas.
Nabokov nasceu em 1899, numa família rica e aristocrata que
fugiu com os baús na cabeça diante dos bolcheviques. Ficou famoso nos EUA, o
russo é sua língua preferida e o inglês o seu instrumento de trabalho, mas
talvez por ser um programa francês ele fez questão de se exprimir em
francês. Acontece que ele parece estar
lendo o que diz, e daí a pouco percebe-se que está mesmo, está com texto à
frente e entremeia isso com algumas frases trocadas com os franceses.
Ele fala da espécie fictícia (“espécie, não gênero”, adverte
ele) de borboletas que criou para Ada, ou O Ardor (1965) – segundo ele, a
primeira vez que isso ocorre na literatura.
Nabokov demora a assumir que gosta
de trocadilhos (“calembours”), mas logo adiante admite que a cidade russa de
Tomsk lhe sugeriu as cidades fictícias de Atomsk e Bombsk. Ele concorda que seus professores se
queixavam, antigamente, de que ele não era suficientemente russo. Diz que gosta de histórias bem contadas,
sim, e que seus livros são justamente uma teia completa de histórias que se
entrelaçam.
Sua conversa lembra uma daquelas entrevistas de Cortázar ou
Borges em francês; evoca aquela fase da História em que o francês foi o latim
dos intelectuais. Ele claramente se diverte em comentar as capas terríveis de Lolita no mundo árabe, onde os desenhistas colocavam na capa “mulheres de
formas opulentas”. Elogia o sistema
postal suíço. Diz que não dá
autógrafos, acha um desperdício de tempo.
Faz longos comentários sobre as tramas de Lolita e de Ada, o livro
cuja tradução francesa estava sendo lançada naquele momento.
Essas aulas que Nabokov redigia e depois lia em sala
de aula estão publicadas, e começam a ser traduzidas no Brasil: as Notas sobre
Literatura e as Notas sobre a Literatura Russa. Ele responde em francês lendo em fichas, mas de forma coloquial,
e se fosse meu professor eu faria o possível para ver a aula desde o começo.
Há gênios em toda parte, mesmo. Pensei em estudar russo, mas acabei partindo pro alemão, que me ajuda mais na engenharia.
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