Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 20 de setembro de 2014
3609) Tempos interessantes (20.9.2014)
(livraria em Londres durante a II Guerra)
Os chineses têm uma expressão para rogar praga a alguém: “Tomara que você viva em tempos interessantes”. É o contrário de desejar a alguém paz e tranquilidade, não é mesmo?
Doris Lessing dizia que os bombardeios nazistas sobre Londres trouxeram morte e terror para muita gente, mas também trouxeram um pouco de animação para suas vidas. Uma senhora londrina bem idosa lhe disse uma vez: “It was a nice change.” (“Foi uma mudança agradável”).
Pode ter sido. Para pessoas que levavam uma vida tediosa, reprimida, asfixiante, a guerra pode ter representado uma liberação, uma instabilidade onde era possível meter os pés, arregaçar as mangas, tomar decisões, viver intensamente, em suma. Tempos interessantes.
Algo parecido é dito por Colin Wilson em vários livros: que durante os bombardeios da II Guerra Mundial os londrinos se divertiam a valer nos bares instalados nos porões. O chão tremia, as bombas caíam a algumas dezenas de metros, mas a música não parava, a bebida rolava solta, todo mundo namorava e dançava pra valer.
A proximidade e a possibilidade da morte (bem como a impossibilidade de fazer algo a respeito) pareciam tornar cada minuto mais carregado de significado.
F. Scott Fitzgerald (Echoes of the Jazz Age, 1931) dizia que a palavra jazz estava associada “a um estado de estimulação nervosa não muito diferente daquele das grandes cidades logo aquém do front de batalha. Para muitos ingleses, a guerra ainda continua, porque todas as forças que os ameaçavam ainda estão em atividade. Portanto, vamos comer, vamos beber e nos divertir, porque amanhã a gente morre.”
Note-se o quanto Fitzgerald tinha razão: a guerra a que ele se refere era a Primeira, e os ingleses tinham uma percepção muito sensata do que lhes vinha pela frente.
Quem gosta de tempos interessantes são as pessoas que gostam de desafios, de aventuras, as que não temem a incerteza, que sabem conviver permanentemente com os próprios medos.
Pessoas pacatas são sabem conviver com o medo. Quando estão numa situação mediana e satisfatória de estabilidade, querem que tudo permaneça assim. Têm moradia, comida, trabalho, o básico da vida; e a última coisa que desejam é que essa estabilidade precária seja ameaçada. Diante do novo e do desconhecido, esperneiam e vociferam. São capazes de tudo para manter as coisas do jeito que estão.
Entre a aventura de querer melhorar e a segurança de se agarrar ao que já têm, preferirão sempre esta última. Temem as próprias limitações, acham sempre “que não vai dar”, agarram com desespero o pássaro-na-mão que o destino lhes concedeu até agora. Não querem viver em tempos interessantes.
Muito se fala sobre a "zona de conforto" vivida por cada um. Sair dela leva sempre a uma evolução do indivíduo. Basicamente, traumas mais significativos, geram mudanças interiores mais significativas.
ResponderExcluirMuito interessante!