(ilustração: Renato Alarcão)
Já tive muita professora de Português chata, mas nenhuma
mais chata do que uma que tive no Ensino Médio há muitos anos, contando eu
dezessete, ela trinta. Na primeira semana, me mandou ler e comentar uma
história chata sobre uma noite de Natal. Eu morria de medo de ser reprovado, e
faltei no dia. Foi no Educandário PhD, o famoso “Ou Paga ou Dá”. Eu era também do
grupo de teatro, e naquele tempo teatro era pretexto para alguém comer alguém,
como aliás sempre foi.
É verdade que não era tão pentelha feito o resto. Era meio
tristinha, nem bonita nem feia, mas receptiva. O caba tendo quinze anos a mais
estava tudo resolvido. O ano foi se passando, eu fiquei em segunda época ou
recuperação (sei lá como se falava naquele tempo, não sei mais nem em que
década foi), e ela fez comigo a decisiva prova oral.
Eu tinha lido a história, que era sem pé nem cabeça, não
acontecia nada. Era diferente dos “Três Mosqueteiros”, que era grande, tinha
erro de continuidade até no título, mas era mais tchans. Dia da prova ela
mandou abrir o livro com a história. Sentou na cadeira em frente. Perguntei se
não estava chateada por eu ser o único que ficou para aquela prova, atrasando
as férias dela. Ela disse que tudo bem. Perguntou se eu não estava chateado por
estar fazendo prova, etc., e eu respondi o mesmo. Ela estava com olhos de quem
não tinha dormido, a noite inteira pensando.
Me pediu pra dizer minhas leituras, falei minhas agaquê,
meus mangá. Ela me vigiando, me
espionando pelo meio das pestanas... A certa altura estranhou algumas coisas
que eu disse que tinha lido. Me arrependi no ato, porque estava gostando
daquilo, era uma prova diferente. Ela parecia estar indo e voltando, andou pela
sala, valorizou a saia e os saltos que tinha escolhido. Devia achar muito importante poder controlar o olhar do
cara, ter o poder de reprovar o cara... É sempre assim.
A prova do galo.
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