(ilustração: Alessandro Bavari)
Embora o
conceito e o nome tenham nascido no século 16 com a Utopia de Thomas Morus
(1516), a utopia literária é um gênero típico do século 19. Antes disso, as
utopias costumavam ser satíricas, ou meras fantasias literárias. No século 19
começaram as utopias científicas. O marxismo é produto desse tempo em que, num
dos auges periódicos do capitalismo, a Razão mobilizou todos os seus
instrumentos conceituais para criar o paraíso social na Terra.
Uma das utopias
brasileiras mais curiosas é O Reino de Kiato (1922) de Rodolfo Teófilo, sobre
o qual já falei aqui (http://tinyurl.com/qbomjfl).
É a típica utopia positivista, baseada na higiene, no civismo, na obediência,
na pontualidade, na estrita obediência às leis vigentes, na organização
administrativa e burocrática, na tecnologia, na padronização das idéias e do
comportamento. Foi esse livro que me
veio à memória ao ler Viagem (1954), o relato póstumo de Graciliano Ramos
sobre sua visita à URSS no último ano de vida de Stálin.
Em Kiato, a
história é narrada pelo ponto de vista de James Paterson, um visitante que vai
parar naquele reino por acaso e que começa a se inteirar da revolução que pôs
no trono o Rei Pantaleão III, a quem Kiato deve sua indescritível prosperidade
e sua estabilidade política. Kiato, fantasia utópica, contemporânea de Stálin,
não é uma república comunista, mas prefigura muitos dos aspectos que em 1922 (ainda
em plena guerra pós-revolucionária) mal começavam a ser implantados na URSS.
John Paterson e
Graciliano Ramos passeiam pelas avenidas, pelas fábricas, pelas praças e pelos
centros cívicos de Kiato e da Rússia, conduzidos por cicerones que lhes explicam
o impecável funcionamento das instituições burocráticas, a assiduidade
infalível dos trabalhadores, o entusiasmo dos cidadãos diante de qualquer
chance de manifestar sua lealdade ao regime. Não se vê um mendigo, um
trombadinha, um monte de lixo, uma droga. As bibliotecas estão cheias de
coleções encadernadas.
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