sexta-feira, 25 de julho de 2014

3560) A volta de Sherlock (25.7.2014)



Foram os fãs de Sherlock Holmes que criaram a “fanfic”, a ficção escrita por fãs utilizando os personagens e o universo que admiram. Depois da morte de Conan Doyle em 1930, seus leitores, insatisfeitos com a impossibilidade de novas adições ao Cânone (o conjunto de 4 romances e 56 contos escritos por Doyle sobre o detetive) começaram a inventar e publicar histórias por conta própria. Hoje, a biblioteca sherlockiana encheria uma livraria de boas dimensões.

Uma novidade recente é o bom romance The House of Silk (2011); no Brasil “A Casa da Seda”, pela editora Zahar, 2012, tradução de Maria Luiza X. de A. Borges.  Anthony Horowitz, um conhecido autor de romances juvenis da Inglaterra, emula com habilidade e sem exagero o estilo de Doyle, e seu livro é bastante fiel ao ambiente, à época e aos personagens. O especialista Leslie Klinger apontou inúmeros erros de detalhe, mas nenhum livro é escrito para satisfazer totalmente os especialistas; o próprio Klinger deu ao romance uma nota B+ e o considerou “perfeitamente satisfatório”.

Holmes e Watson estão em Baker Street e a chegada de um cliente os envolve em dois mistérios que parecem correr lado a lado, e que o autor faz convergir de maneira surpreendente e plausível, no final. O livro tem as habituais “set-pieces” sherlockianas, como o truque de adivinhar o que Watson está pensando, os disfarces irreconhecíveis, a fuga mirabolante, os comentários aparentemente “non sequitur” feitos por Holmes como se desse pistas enigmáticas sobre suas deduções.

Não gosto muito das paródias que ridicularizam os personagens de Doyle, embora algumas sejam divertidas, como as de Maurice Leblanc, Robert L. Fish e até do nosso cartunista Carlos Estêvão. O grande desafio da fanfic sherlockiana, o que pode elevá-la de fanfic a literatura profissional, é saber captar a época, a dinâmica da dupla de personagens, os esquemas de dedução, as eventuais explosões de ação física e de violência. O mistério sherlockiano é um sub-gênero nobre do romance policial. Parece simples, porque “tudo já está pronto”, mas por isso mesmo exige uma criatividade e originalidade extra do autor. Horowitz se sai bem.  A aventura que concebeu tem um lado cruel e repulsivo que não está presente no Cânone, mas é a cara da época vitoriana. São os “outros vitorianos” estudados por Steven Marcus em The Other Victorians: a Study of Sexuality and Pornography in Mid-Nineteenth-Century England (1966), um submundo criminoso habitado por nobres, fidalgos, pares do Reino e outros adversários poderosos e maquiavélicos, quase capazes de derrotar Sherlock Holmes num combate sem trégua e sem mercê.  Eu disse: quase.


Um comentário:

  1. Tem um romance bom de Caleb Carr com o Sherlock Holmes, chamado O Secretário Italiano. Queria saber a nota que ele recebeu do Klinger. Onde vejo isso?

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