(Philip K. Dick)
Uma vez eu estava num ambiente só de norte-americanos,
cercado de amigos que discutiam com veemência algum item da cultura-de-massas
deles, algum troço que nem eu, o sujeito mais americanizado da minha geração,
tinha ouvido falar. Era como um
norueguês em Campina Grande, ouvindo a gente recordar trechos do “Forró de Zé
Lagoa”.
E tive uma sensação repentina de
que aquilo ali (era um programa de TV qualquer dos anos 1960, que nunca deve
ter chegado no Brasil) era extremamente real para eles, fazia parte do mundo, e
qualquer explicação do mundo teria que ser capaz de explicar também aquilo, de
maneira tão natural quanto um de nós explicando a existência do “Forró de Zé
Lagoa”.
Realismo, para uns, é isso: um realismo científico, porque
se uma experiência científica produzir dez resultados diferentes, a teoria
certa é a que explica de maneira cabal a todos. (Isso não impede nenhuma das
teorias científicas vigentes de ter catálogos inteiros de coisas que tentaram
explicar e não conseguiram.)
Os norte-americanos (pensei naquela ocasião) são “reality
believers”, eles acreditam que o mundo real existe de verdade. Por isso que um Philip K. Dick incomodava
tanto em vida, com suas puxadas-de-tapete metalinguísticas, em que nada é o que
a gente pensava ser. PKD furava um
buraco no balão do mundo. Antes, escritores como Clarke ou Asimov produziam
epifanias, “sense of wonder”, numa expansão do espaço conhecido. Criavam universos
extraordinários, mas isso não fazia a vida humana no século 20 da Terra deixar
de existir ou de ter importância.
A mente humana aceita olhar para a correnteza fatal do
fantástico, se tiver alguns rochedos de realidade a que se agarrar. PKD fornecia esses rochedos ao leitor, mas a certa
altura via-se que eram de papel machê. "O Real Não Existe"; os manuscritos da Exegese, o conjunto de reflexões e anotações que ele escreveu nos últimos
anos de vida, discutem o tempo inteiro essas questões infinitas.
Excelente texto, como sempre. O último parágrafo toca e ataca uma prática infeliz que acompanhou a literatura fantástica brasileira por muito tempo e que, parece, foi ou está em vias de extinção.
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