quinta-feira, 3 de julho de 2014

3541) Histórias policiais (3.7.2014)



(G. K. Chesterton)

Será que o leitor de literatura policial (especialmente a do que chamamos de “mistério detetivesco”) é um leitor diferente de todos os outros?  Jorge Luís Borges dizia que sim, dizia que foi a literatura de Edgar Poe e Conan Doyle que criou esse leitor desconfiado, que não havia antes na tradição literária. Um leitor em-guarda, de pé atrás, meio paranóico, que desconfia de tudo que lhe é contado. (Nesse sentido, o leitor de livro policial é o contrário do leitor de literatura fantástica, do qual o que se espera é justamente uma “voluntária suspensão da descrença”).

Chesterton dizia algo parecido com o escritor de romance policial, que para ele não era um escritor como os outros.  Seu detetive, o Padre Brown, às vezes parece uma fotografia de Cartier-Bresson convivendo com gravuras em metal de romances antigos. Disse ele uma vez que escrevia para esquentar o mercado da literatura policial (a expressão é minha, não dele) e fazer com que fossem escritos muitos outros livros (diz ele), porque na verdade o que ele queria era ter muita coisa do gênero para ler. (Aqui: http://tinyurl.com/o6jar5n).

Porque (continua Chesterton) o escritor de romance policial deixa de desfrutar do maior prazer do leitor do gênero, que é defrontar-se com um mistério inexplicável, e sair deslindando tudo, fio por fio. O escritor foi quem criou o mistério, portanto ele já sabe como o mistério acaba. Ele é o Guardião do Spoiler Terminal. Ele sabe tudo, portanto ele não consegue se encantar com nada. Daí precisar de livros alheios.

“Não posso me mostrar pasmo,” diz Chesterton, “no fim do livro, com uma revelação que eu já estava planejando desde o início, nem posso me mostrar desconcertado e questionador quanto à ocultação de algo que eu próprio me esforcei para ocultar.”  Ler e escrever um romance policial é como jogar xadrez consigo mesmo, de ambos os lados do tabuleiro, tentando esquecer o que acabou de planejar, enquanto dá a volta à mesa. Alguém pode chegar a esse ponto, de ignorar coisas que acabou de pensar?

R. L. Stevenson conta em seu “Episódio sobre Sonhos” que em sonho imaginou uma história melodramática de amor e crime, e que no momento do desfecho jamais poderia ter esperado a reviravolta que houve na situação. “Mas como pode ser,” pergunta ele, “como pude ignorar essa surpresa, se era a minha própria mente que estava criando o que eu estava assistindo?”.  Em todo caso, a capacidade de ler um parágrafo que a gente acabou se escrever com os olhos de alguém que nunca leu aquilo é algo que se desenvolve, se exercita. Ajuda a escrever, ajuda a deixar as coisas da página com um certo 3D.


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