Se um cara é um grande artista, estou falando de artista grande mesmo, será que somos capazes de perdoar qualquer coisa politicamente incorreta que ele tenha feito no seu passado? (Esse conceito de politicamente correto/incorreto, aliás, está se expandindo exponencialmente, o que é um perigo.) Na lista dos escritores politicamente apedrejados sempre aparecem Ezra Pound que teve simpatias pelo fascismo, Louis-Ferdinand Céline que era antissemita, e meia meia-dúzia de espantalhos habituais, que, como Guy Fawkes, conhecem a fama e o opróbrio na mesma medida.
Por exemplo: os escritores franceses colaboracionistas,
cúmplices dos nazistas que invadiram o país e o sujeitaram durante alguns anos
vergonhosos. A Resistência Francesa foi
uma coisa notável, mas ao mesmo tempo fomos ensinados a não achar que era tudo
assim tão simples. Em Hiroshima meu
Amor, de Alain Resnais, vemos a violência e a humilhação a que é submetida uma mocinha que fica amante
de um soldado alemão. Precisava mesmo, fazer aquilo tudo com ela?
As lealdades políticas já serviram para inflar carreiras
artísticas ou literárias. e no mundo da esquerda isto já foi visto muitas
vezes. O Partido decidia investir em determinados artistas e sufocar outros. Em
alguns casos, tudo dava com os burros nágua, os exaltados resvalavam para o
Limbo, os reprimidos explodiam em girândolas de idiomas. Vitória do
Mercado? Não, porque o mercado, como
sempre, apenas corria a faturar um sucesso pré-existente.
Talvez no futuro nossos bisnetos vejam a briga ideológica
entre a França de De Gaulle e a França da República de Vichy como uma mera
dissensão entre iguais. Iremos todos para a mesma vala comum, misturando nosso
DNA ao dos sacripantas contra quem lutamos a vida inteira. Estávamos todos
(considerarão nosso bisnetos, à luz dos “ismos” em voga) no mesmo barco, o
Titanic. Da literatura que produzimos só virá a se salvar o que ela tiver de
literário, porque politicamente nos olharão com a mesma incompreensão com que
olhamos os cristãos europeus da Renascença ou os fetichistas da natureza.
Você mesmo fez a pergunta e deu a resposta no último parágrafo. É bem isso. Nada mais a ser dito ou declarado.
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