Existem números literários, assim como existem números
circenses ou números musicais. Um
conjunto de elementos organizados de maneira bem específica e que devem ser
reconstituídos, refeitos, diante de uma platéia de conhecedores. Um pouco como a execução de música mediante
partitura.
A perseguição à diligência é um número do cinema de faroeste: havia técnicos especializados nela, etc.
A reunião dos suspeitos diante dos quais o detetive rememora as pistas do caso e acusa o criminoso é um número da literatura policial.
A torta-na-cara é um número dos palhaços, o trevo-de-Brasília (ou sei lá que nome lhe dão) é um número da Esquadrilha da Fumaça, e a briga-mortal-à-beira-do-abismo é um número cinematográfico obrigatório em mais gêneros do que me atrevo a enumerar.
A perseguição à diligência é um número do cinema de faroeste: havia técnicos especializados nela, etc.
A reunião dos suspeitos diante dos quais o detetive rememora as pistas do caso e acusa o criminoso é um número da literatura policial.
A torta-na-cara é um número dos palhaços, o trevo-de-Brasília (ou sei lá que nome lhe dão) é um número da Esquadrilha da Fumaça, e a briga-mortal-à-beira-do-abismo é um número cinematográfico obrigatório em mais gêneros do que me atrevo a enumerar.
O número é tipicamente um efeito literário que não apenas já
foi feito antes, mas é tão conhecido que acaba se tornando um desafio técnico.
Como certos números musicais que requerem perícia de execução do
instrumentista, ou saltos acrobáticos e complexos no skate ou na prancha de
surfe.
Isso se torna interessante quando aplicado à prosa de ficção porque possibilita um escape para escritores profissionais que vivem de escrever com velocidade e em abundância. A pulp fiction dos anos 1930-40, as HQs e os filmes de super heróis, o mistério policial, são gêneros onde a exploração de infinitas variantes de alguns números básicos chega a prejudicar a verossimilhança dos enredos, que tornam-se barrocos, e depois maneiristas em excesso.
Isso se torna interessante quando aplicado à prosa de ficção porque possibilita um escape para escritores profissionais que vivem de escrever com velocidade e em abundância. A pulp fiction dos anos 1930-40, as HQs e os filmes de super heróis, o mistério policial, são gêneros onde a exploração de infinitas variantes de alguns números básicos chega a prejudicar a verossimilhança dos enredos, que tornam-se barrocos, e depois maneiristas em excesso.
A descoberta de um cadáver por alguém inocente. O triângulo
amoroso. O stand-off de armas em punho
entrecruzadas. A fuga pelos dutos
subterrâneos. O documento vital
escondido num quarto, ou numa casa, e que deve ser encontrado. O encontro com o próprio duplo, ou sombra,
ou reflexo.
Quando situações assim se apresentam, estão retornando pela décima ou vigésima vez, já fazemos idéia de seu formato e de como funciona, e temos sempre a expectativa de ver uma nova variante que mereça aplauso.
Quando situações assim se apresentam, estão retornando pela décima ou vigésima vez, já fazemos idéia de seu formato e de como funciona, e temos sempre a expectativa de ver uma nova variante que mereça aplauso.
Os crimes de quartos fechados de John Dickson Carr, os padrões dos criminosos seriais (incontáveis autores), os crimes dentro de um labirinto de Borges, forçaram os limites do gênero, tornaram-se uma espécie de virtuosismo autoral.
Um tour-de-force onde, como Sergei Bubka, o desafio do autor é tentar ir um pouco mais longe do que foi na vez passada.
O senhor vem escrevendo livros tão legais sobre assuntos literários. Essa coluna daria um livro maravilhoso que poucas pessoas hoje em dia poderiam fazer. O senhor é uma delas. Compraria com satisfação. Grato pelos martelos de Trupizupe. Bom livro.
ResponderExcluirjuliano moreno
Obrigado, Juliano. Já publiquei três coletâneas dos meus artigos: A NUVEM DE HOJE e A IDADE DA IGNORÂNCIA (Editora da Univ. Estadual da Paraíba, Campina Grande), e A ARTE DE OLHAR DIFERENTE (Editora Hedra, São Paulo).
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