Continuam se fazendo sentir, Brasil afora, os abalos sísmicos provocados pela decisão do Campeonato Carioca de domingo, quando o Vasco vencia por 1x0 (resultado que lhe dava o título) e o Flamengo empatou no último instante, tornando-se campeão com um gol que, minutos depois, todo mundo viu que foi feito em impedimento. Dizem (eu procurei, mas não achei as imagens) que nas comemorações pós-jogo o goleiro Felipe, do Fla, teria dito: “Roubado é mais gostoso”. Ou seja, ganhar praticando uma injustiça é mais divertido, certamente porque eleva ao quadrado o desespero e a revolta dos adversários. Esse traço de muitos torcedores de futebol (não só aqui; creio que é assim no mundo todo) revela o que o esporte significa para eles. Significa a chance de tripudiar sobre um adversário, de exercer a “hubris”, a arrogância dos vencedores, para quem não basta derrubar o outro no chão, precisar pisar na cara, também.
Eu
não acho uma vitória assim mais gostosa. Gostosa é quando o adversário faz um
gol em impedimento, e depois a gente vai lá, faz um gol legal e ganha o jogo. Aí
sim, é bom de esfregar a vitória na cara do outro. O gol roubado é um
privilégio, e eu torço pelos desprivilegiados (inclusive para expurgar meus
privilégios de sexo, de classe e de cor; quem foi que disse que agnóstico não
crê em pecado original?). Vitória gostosa é virar para 3x2 um jogo que estava
0x2. É ficar com um a menos e derrotar o outro time. É ganhar na casa do
adversário. É precisar de um golzinho
durante o jogo inteiro e fazê-lo nos acréscimos. Ou seja: a vitória é mais gostosa (para mim,
e acho que para alguns outros torcedores) quando o privilégio ou a vantagem
estão todos do lado oposto, e mesmo assim a gente vai lá e passa por cima.
Nelson
Rodrigues (ou seria Mário Filho?) tinha um personagem para quem a vitória só
valia se o gol fosse de mão. Há pouco, um saite publicou uma matéria apontando 12
erros de arbitragem em favor do Brasil em Copas do Mundo (acertou em todos).
Parece que existe em nós aquele complexo do sujeito que, mil vezes roubado,
precisa roubar também para convencer a si mesmo de que não é um imbecil, não é
um banana. Roubando, podemos enfim curtir aquele momento breve de esperteza que
leva tantos otários mais cedo para o buraco.
Gosto do seu texto e entendo seu ponto de vista, mas deixe me apresentar um outro. Todo e qualquer jogo que o Flamengo ganhe vem julgado logo depois como roubado. Não importa o quanto o time jogue, quais craques estavam em campo, o quanto possa ter sido heróico. Sempre surgem teorias de que foi roubando. Sou Flamengo há 40 anos e no inicio tb queria sempre ganhar de forma que não pairasse nenhuma duvida do potencial do time, mas são 40 anos ouvindo e sofrendo muitas injustiças, que tem má hora em que ou nos aborreceremos seriamente ou levaremos no deboche, na piada e na arrogância.
ResponderExcluirAcho que seria enriquecidos se ouvisse a entrevista do Felipe. Ele estava falando como um torcedor, e esta errado, pois é um atleta e tem que ter uma postura diferente, mas naquele momento ele estava zombando do adversário perguntando se há 10 anos o time jogava no Paulistao uma vez que não ganhou títulos cariocas nesse período. O repórter falou sobre o impedimento, que até então nenhum dos 20 jogadores em campo sabiam, e ele respondeu de supetão " roubado é mais gostoso". Isso é uma máxima do futebol, que certamente foi criado pra desesperar mesmo o adversário, uma vez que há 3 dias esses tão chorosos fascínios estavam tripudiando o Flamengo pela eliminação em um campeonato internacional. Sim, torcedores gostam de bater e chutar na cara, independente pra qual time se torça. E Não. Não acredito que seja um reflexo da sociedade. É um " intervalo" da vida social em que se é permitida esse tipo de barbárie. É um descarrego. Somos humanos e temos essa agressividade no nosso natural, e que bom que podemos descarregar no futebol. Há 40 anos não entendia muito bem, mas hoje vejo que xingar o juiz de ladrão faz parte, mesmo que ele favorece seu time, que o técnico sempre é burro, o goleiro sempre franga. São insanidade que só ali, no futebol, nos é permitido fugir da realidade. Quem vive dentro do futebol entende de uma forma diferente o ocorrido, e nem sei te dizer se isso é bom ou ruim, mas acredite, aquilo lá é um mundo da fantasia, fantástico e apaixonaste. O que se diz lá não tem obrigação de se trazer pro mundo real. Abraços