terça-feira, 8 de abril de 2014

3467) José Wilker (8.4.2014)



(a última foto dele)

Minha primeira imagem de José Wilker é ainda uma das mais fortes: o Tiradentes que ele (então um ator jovem e desconhecido) interpretou no filme Os Inconfidentes de Joaquim Pedro, em 1971.  Um Tiradentes sem barba, intenso, vibrante. O filme é um dos melhores filmes políticos daqueles anos difíceis, e isto ajudou a marcar na memória a presença do ator.  Depois vieram papéis clássicos, de grande sucesso, em O Homem da Capa Preta (um Tenório Cavalcanti rude, irascível, imprevisível) , Dona Flor e seus dois maridos (Vadinho das candongas, o malandro arquetípico, e nu ainda por cima), além das novelas que o consagraram, como Roque Santeiro, que juntamente com Vadinho deve ser seu personagem mais famoso, o que mais ficou na memória do público. Acho que meu preferido é o Lorde Cigano do Bye bye Brasil de Cacá Diegues: sardônico, espertalhão, naïf, mambembe, imperturbável, é um dos grandes personagens picarescos do nosso cinema.

Wilker era um ator cerebral, uma explosão contida em cada segundo de gestos precisos, voz cortante, esgares impagáveis.  O excesso de exposição na TV o fez, a partir de certa altura da carreira, recorrer ao piloto automático que acabou sendo a salvação-da-lavoura de tantos atores talentosos de sua geração. Não é fácil um ator de verdade, com densa formação teatral, trocar frases com rapazes e moças cujo talento mal dá para um comercial enaltecendo a fórmula de um dentifrício. A TV brasileira é um pouco como o filme de FC norte-americano, um recorde de desperdício de dinheiro e de talento por minuto gravado. Wilker fez personagens caricatos, com falas constrangedoras, mas ele gravava como quem não está nem aí.  Devia considerar o salário uma espécie de indenização por mau uso do seu tempo de vida, e às vezes parecia que estava fazendo um pastiche de John Malkovich para ganhar uma aposta contra meia dúzia de amigos. Por sorte, seu último papel marcante, em Gabriela (2012) trouxe de volta algo do sarcasmo e do ar sobranceiro que ele dominava tão bem.

Alguns atores dão a impressão, até pela idade avançada em morrem, de que encerraram suas carreiras de maneira feliz e honrosa.  Outros, mesmo com tudo que já fizeram, sempre nos dão a impressão de que o grande papel da sua vida pode muito bem surgir (como já surgiu para tantos) quando todo mundo já os encaminhava para o guichê da aposentadoria. Wilker, aos 66, morreu naquela idade em que poderia estar iniciando um terceiro estágio de sua vida útil; aquele, como já disse um ator, “em que a gente está cansado de fazer Hamlet e começa a considerar a possibilidade de fazer o Rei Lear”.


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